quinta-feira, 21 de abril de 2011

No País das Maravilhas - "Rio", uma prova de amor à Cidade Maravilhosa


Nascido no Rio de Janeiro de 1965, Carlos Saldanha desde cedo percebeu seu gosto pelas artes visuais, que o levou a cursar Mestrado em Artes. Pouco tempo depois, se especializava em animação digital na School of Visual Arts, em Nova Iorque. O resultado foi a co-direção dos sucessos mundiais "A Era do Gelo" (2002) e "Robôs" (2005). Como não poderia deixar de ser, a maturidade profissional logo veio, e ele assumiu o comando da franquia que ajudou a criar, dirigindo "A Era do Gelo 2 (2006) e "A Era do Gelo 3" (2009), ambos presentes entre os filmes de maior bilheteria de todos os tempos. Scrat, o esquilo de dentes de sabre doido por nozes que virou a marca registrada da trilogia, foi inclusive criado por ele. Com o êxito na direção das sequências, obteve a confiança dos produtores da 20th Century Fox, se tornando um dos brasileiros mais respeitados no mercado cinematográfico americano. E isso não é pouco. Com maior orçamento e liberdade criativa, Saldanha logo idealizou um projeto que fosse um grande tributo ao seu país de origem. E assim nascia "Rio".

Depois de muito desenvolver e pensar em qual seria a trama, Saldanha escolheu como protagonista Blu, uma arara azul carioca-da-gema (como ele). Em uma introdução empolgante que lembra muito os adorados clássicos da Disney - reproduzindo o visual do Rio de Janeiro de maneira espetacular - vemos ele sendo capturado na floresta e indo parar na fria Minnesota, nos Estados Unidos. Lá é encontrado e criado por Linda (Leslie Mann, esposa e musa do diretor Judd Apatow, atual rei das comédias americanas), estabelecendo com ela um forte laço afetivo. O pontapé da aventura é dado com a chegada do excêntrico personagem de Rodrigo Santoro, que capricha no inglês para dar voz a Túlio, o ornitólogo que identifica Blu como o último macho da espécie e que deseja que ele acasale com a única fêmea viva, que está (por acaso) no Rio de Janeiro.


Assim começa esta singela homenagem do diretor carioca à cidade que foi seu berço. Como não podia deixar de ser, os personagens chegam à Cidade Maravilhosa em uma época próxima ao Carnaval, o que justifica a insistente presença do samba em quase todos os lugares. Irrita um pouco ver todas as pessoas dos belíssimos cenários sambando o tempo todo ou atravessando o sinal na Avenida Atlântica vestidos como se estivessem no Desfile do Carnaval. Apesar dessa imagem inicialmente bastante caricatural, aos poucos o diretor vai explorando de maneira nostálgica os vários cantos da cidade, da Lapa ao Pão-de-Açúcar, passando pelo Sambódromo. Afinal, de certa forma, é o próprio Saldanha retornando como turista à cidade da qual esteve muito tempo afastado. Até a Rocinha ganha destaque, com direito à varias cenas entre os becos das favelas. É o Rio em cena, com todas suas belezas "para-gringo-ver" e desigualdades a que estamos acostumados da maneira mais equilibrada que uma animação americana poderia fazer.

Por isso, nem tudo são flores e não é só de pontos positivos que se faz a imagem da cidade. O contrabando, exploração de menores e assaltos estão lá presentes. Ninguém mais confiará totalmente nos aparentemente bonitinhos micos do Corcovado depois de ver esse filme. Mas é sutil e muito bem-humorada a maneira de mostrar a paixão brasileira pelo futebol, em uma cena de fuga que merece todos os aplausos daqueles que param todas as atividades no momento em que o apito do juíz indica o início de um jogo.


O grande desfile de personagens ajuda a tornar tudo mais agradável aos olhos. Durante os estágios iniciais da produção vários integrantes da equipe técnica visitaram o Bronx Zoo, onde observaram como as aves se moviam e usavam suas penas. Foi inclusive desenvolvido um novo renderizador de penas chamado Ruffle Deformer, que permitiu aos animadores criar e moldar as penas com um detalhismo jamais obtido até então. O personagem principal recebe a voz e traços de Jesse Eisenberg, que após o sucesso em "A Rede Social", representa mais uma figura nerd e insegura. Blu cai perfeitamente na personalidade e na voz do ator, que só precisa ter cuidado para não ficar marcado por esse tipo de personagem. Anne Hathaway prova mais uma vez sua versatilidade como o interesse amoroso do protagonista, Jade (Jewel, no original). É impossível não se apaixonar ao ouvir a voz da atriz ligada aos doces e charmosos traços da arara. Mesmo sem terem interagido necessariamente juntos, há uma simpática química entre os dois atores. O tucano boa-praça dublado por George Lopez atua como mediador entre os dois pombinhos (no caso, araras), evocando a imagem do saudoso Zé Carioca dos estúdios Disney.

São três os personagens que roubam a cena e, consequentemente, o longa, sendo a animada dupla de pássaros cantores Nico e Pedro, dublados respectivamente pelos inspirados Jamie Fox (vencedor do Oscar por "Ray", em que reencarnou o cantor Ray Charles) e Will.i.am. (sim... ele mesmo, o cantor do Black Eye Peas), o maior destaque cômico do filme, que ganha brilho extra em todos os fotogramas em que eles aparecem. O outro destque é o hilário buldogue babão dublado pelo comediante Tracy Morgan, mais conhecido por aqui pela sério 30 Rock, em que interpreta ele mesmo. Apesar de aparecer pouco, seu personagem é um dos mais inspirados e mais um caso de coadjuvante que acaba roubando as atenções, como Scrat fez anteriormente em "A Era do Gelo". O material de divulgação do filme comprova isso.


Mas o ponto alto do filme é sua trilha sonora. A presença de Bebel Gilberto, Sérgio Mendes e Carlinhos Brown nas composições permite que os rappers americanos do time de dublagem - mais Taio Cruz, filho de brasileira, que também contribui nas músicas - criem canções originais sem fugir do clima e ritmo genuinamente brasileiros. Desse modo, está lá não apenas o som típico do carnaval e o samba simples de raiz, mas também o funk e a Bossa Nova, citando até o mestre Tom Jobim. A romântica cena passada no bonde elétrico de Santa Teresa ao som da doce batida do violão que caracteriza a Bossa Nova é de enxer olhos e ouvidos. Mas nada barra o vôo de asa-delta feito ao redor do Cristo Redentor ao som de "Mais Que Nada". É de longe a melhor cena do filme - e que melhor o resume -, mas merece também destaque a ida do grupo a uma boate de pássaros, onde Jamie Fox e Will.i.am. mostram a que vieram. Além deles, Anne Hathaway também solta sua linda voz, para deleite dos expectadores.

Apesar do clima para cima e empolgante da animação, ao final da sessão fica a impressão de que falta um pouco da genialidade marcante de todas animações assinadas pela Pixar. Mas mesmo assim, "Rio" é um filme que tem tudo para agradar pais e filhos, brasileiros ou estrangeiros. Uma publicidade positiva para a cidade no momento em que o mundo está de olho no Rio de Janeiro, que vai sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. A pré-estréia do filme no Cine Lagoon, da Lagoa Rodrigo de Freitas, foi uma das maiores já feitas no país, contando com a presença de todos os grandes nomes do elenco."Rio" está longe de ser a melhor homenagem já feita ao Rio de Janeiro, mas não deixa de ser uma das mais belas e eficientes.