quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A Vida e Morte de Blake Edwards (1922-2010)


Um ator indiano fracassado que vai parar numa festa dos maiorais de Hollywood por engano. O romance entre um playboy e uma garota de programa que adora passar as manhãs em frente à loja Tiffany's, em Nova York. As desventuras de um atrapalhado detetive francês que deve encontrar um diamante rosa com uma falha semelhante a uma pantera. Uma cantora lírica desempregada que se faz passar por um homem para conseguir o emprego que queria. Para levar tramas absurdas e hilárias como essas para as telas, era necessário talento nato para a comédia. E isso, sem dúvida, Blake Edwards tinha.

Antes que perguntem "Mas quem é esse cara?", um filme (ou a cinessérie dele derivada) talvez resumam sua carreira: "A Pantera Cor-de-Rosa". A verdadeira saga do Inspetor Jaques Closeau, eternizado pelo camaleão da comédia Peter Sellers (1925-1980), foi criada pelo diretor em 1964, com o primeiro filme da série, que fez um sucesso estrondoso e alçou o protagonista ao panteão de grandes personagens do cinema. Mas nao foi assim que tudo começou.

Blake Edwards, nascido em 1922 como William Blake Crump, foi de tudo um pouco no cinema americano: diretor, roteirista, produtor e até ator, no início da carreira. Morando em Beverly Hills desde muito jovem, todo seu aprendizado veio de dentro da indústria, começando discretamente na TV, onde ganhou fama ao criar o seriado "Peter Gunn". Logo, percebeu seu talento e facilidade para comédia, que ficou provado em seu primeiro grande sucesso, "Anáguas a Bordo", comédia de guerra feita em 1959 com Cary Grant e Tony Curtis (esse também falecido recentemente).


Após a estréia bem-sucedida, o diretor recebeu carta branca para realizar sua primeira obra-prima. Assumiu então a suavizada adaptação do romance de Truman Capote, "Breakfeast at Tiffany's". Finalizado em 1961, o clássico "Bonequinha de Luxo" não apenas atraiu as atenções para Edwards como também transformou a atriz Audrey Hepburn em um ícone imortal do cinema. Sua ingênua e sofisticada Holly Golightly ficou eternizada pela cena em que ela canta delicadamente em sua janela a linda música "Moon River", composta por Henry Mancini para esse filme.

A parceria com Mancini continuaria no próximo filme, o elogiado "Vício Maldito", em que o magnífico Jack Lemmon rouba cada fotograma para si em atuação antológica. O compositor criaria ainda, sem querer, uma das melodias mais famosas de todos os tempos. Afinal, todos os habitantes do planeta Terra sabem o que pensar quando se cita o "tema da Pantera Cor-de-Rosa". Com esse filme, de 1964, começou a famosa parceria entre o diretor e o ator Peter Sellers, que continuou por todas as seis(!) sequências em que Closeau voltou à ação. O melhor episódio desses hilários filmes é, curiosamente, o que não leva "Pantera Cor-de-Rosa" no nome: "Um Tiro no Escuro", o segundo cronologicamente, no qual o Inspetor investiga um caso de homicídio, não ligado ao diamante. Sem dúvida, uma das produções mais engraçadas já feitas.


No ótimo telefilme "A Vida e Morte de Peter Sellers", feito em 2004, pode-se ver claramente como era a relação entre Sellers e Edwards. Brigas homéricas e egos inflamados tomavam conta dos sets de filmagens diariamente. Apesar disso, a dupla foi uma das mais profílicas da sétima arte, principalmente do humor. A única vez que trabalharam juntos sem o personagem Closeau estar envolvido foi em 1968, com "Um Convidado Bem Trapalhão", onde Sellers carrega todo o filme em sua interpretação minimalista do ator indiano Hrundi Bakshi, em uma das películas mais engraçadas já exibidas. Durante as filmagens, Edwards e Sellers estavam brigados e só se comunicavam por bilhetes entregues a um intermediário. Apesar disso, as cenas e situações hilárias, muitas vezes improvisadas durante as filmagens, não perderam a
graça com o tempo.

Depois da repentina morte de Sellers, vítima de um ataque cardíaco em 1980, Edwards tentou ressucitar a franquia de Closeau em três filmes, em que usava cenas do ator descartadas de filmes anteriores. Em sua empreitada, nao obteve apoio do público nem da crítica. Então seu ritmo de produção começou a cair. Os últimos acertos de sua carreira foram "Mulher Nota 10"(1979) e o hilário "Vitor ou Vitória"(1982), filmes protagonizados por Julie Andrews (eternizada como "A Noviça Rebelde"), com quem o diretor se casou em 1969. Atriz, a quem Edwards chamava de "garota inglesa com incomparável voz de soprano e vocabulário obsceno", ficou viúva no dia 15 de dezembro, quando o craque da comédia faleceu aos 88 anos, deixando órfãos vários fãs ao redor do mundo.


Edwards era um dos poucos diretores que tinham mais prestígio na França do que no prórpio país natal. Apesar de ser esnobado pelos americanos, esses tiveram noção de seu valor recentemente, e o resultado foi um Oscar especial dado ao diretor em 2004, pela carreira. O prêmio foi entregue por Jim Carrey, e na cerimônia, zombando da própria idade, Edwards entrou pela lateral do palco numa caderia de rodas motorizada em alta velocidade, atravessando a parede da extremidade oposta. Um exemplo de irreverência do homem que, se bobear, deve ter cruzado de forma semelhante os portões do céu. Mas sua filmografia, sorte a nossa, é imortal.