sábado, 13 de abril de 2013

O Silêncio dos Inocentes - "Alemanha, Ano Zero" e o Impacto do Neo-Realismo Italiano nas Telas


Silêncio. É o silêncio que prevalece quando palavras não podem explicar um sentimento. Silêncio se faz presente quando confrontamos algo que não queremos ou não sabemos encarar. Aquele silêncio que nos controla em momentos difíceis e duros. Pois esse é o mesmo silêncio que toma conta de qualquer sala ao final de uma exibição do filme "Alemanha, Ano Zero".

Lançado em 1948 como a terceira parte da trilogia que o italiano Roberto Rossellini dirigiu com foco nas consequências da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) nas vidas de cidadãos comuns, esse filme é um dos mais realistas e (por isso mesmo) cruéis registros da situação européia no pós-Guerra já feitos no cinema. Cruel por captar de forma crua e sincera o estado de caos e loucura que se instaurou nas nações durante o período. Está tudo lá, em cena, para quem quiser ver. Tal proximidade com o real é a característica mais gritante do movimento conhecido como Neo-Realismo Italiano, do qual esse filme faz parte e representa muito bem.


Nada de cenários planejados, iluminação trabalhada ou elenco escolhido a dedo: com o Neo-Realismo, a câmera vai para as ruas captar a vida como ela é, e não uma representação dela. Diretores como Luchino Visconti, Roberto Rossellini, Vittorio De Sica e até mesmo Federico Fellini (em sua fase inicial) foram nomes fortes desse movimento que mudou o modo de se fazer cinema ao redor do mundo.  Após ser inaugurado por Visconti em “Obssessão”(1943), o movimento só foi “legitimado” e batizado com “Roma – Cidade Aberta”(1945). Com essa obra, Rossellini iniciava uma série de três filmes que visavam expor toda crueldade e desumanidade da guerra da maneira mais explícita possível. Eram obras tão dolorosas quanto necessárias, feitas para conscientizar as pessoas dos efeitos negativos e desumanos do recente conflito. As cicatrizes ainda estavam abertas e expostas, e Rossellini queria lembrar a todos como elas foram adquiridas. 

Após o panorama com seis histórias distintas que o diretor realizou em "Paisà" (1946), ele resolveu se afastar um pouco da realidade italiana para mostrar como era a vida na Alemanha recém-destruída.  Em "Alemanha, Ano Zero", a estética do movimento foi levada ao extremo. O cenário é de ruínas e destroços, do início ao fim. Rossellini passeia com sua câmera por entre prédios, cidades e pessoas destrúidas. Seu foco é o menino Edmund, sempre registrado solitário e sem perspectivas de um futuro melhor. Muito jovem para ser adulto em mundo que não dá a ninguém o luxo da infância, fica evidente a cada cena que Edmund não pertence àquele lugar. Sempre registrado com ecos de destruição como pano de fundo, fica impossível ao jovem e ao espectador visualizar uma chance de salvação. 



Exploração infantil, assassinato, pedofilia, traição: são essas palavras e atos fortes que marcam a trama. O clima é pesado e não é um filme agradável de se ver. Em comparação com os filmes anteriores, percebe-se que aqui Rossellini chega mais perto dos personagens. Quando investiga os anseios que afligem Edmund e esquece os personagens secundários para focar em seu olhar, surpreende o espectador com um corte brusco e inesperado. Algo que bate e fica. Embora o filme seja bem curto - estamos falando de 75 minutos - seu impacto é longo.

 Sem a presença de atores conhecidos como Aldo Fabrizzi e Anna Magnani em "Roma, Cidade Aberta" e as diversas histórias de "Paisà", Rossellini realizou uma obra que destoa de suas irmãs. Em essência, "Alemanha, Ano Zero" é puro Neo-Realismo Italiano. Para falar a verdade, analisando hoje em dia, talvez seja o mais impactante e fiel representante dos elementos e princípios desse movimento. Uma obra para o qual os melhores aplausos estão no silêncio respeitoso de quem entendeu o recado.


quinta-feira, 4 de abril de 2013

Ao Mestre, Com Carinho: Roger Ebert (1942-2013)


Minha grande paixão pelo Cinema começou no final de 2005, no momento em que acabei de assistir "Em Busca do Ouro"(1925), de Charlie Chaplin. Quando decidi que viveria desse amor pela arte de fazer filmes, mergulhei de cabeça nos clássicos do cinema. Foi apenas em 2008 que tive acesso ao nome de Roger Ebert. Principais motivadores da minha carreira, meus pais me deram um livro que "poderia ser interessante". O nome era "A Magia do Cinema": se tratava de uma seleção dos 100 filmes mais marcantes da história na opinião do crítico em questão. O nome de Ebert já me era familiar, mas depois da leitura de seu livro, se tornaria bem próximo.

A "magia do cinema" do título realmente aconteceu. Aqueles textos eram diferentes de tudo que eu já tinha lido sobre filmes. Aquele crítico que escrevia semanalmente no Chicago Sun-Times tinha me ensinado como envolver as pessoas através de um texto sincero e apaixonado. Falava de cinema de uma maneira acessível, sem termos rebuscados ou técnicos que pudessem afastar os mais leigos. Suas palavras fluiam, exalavam paixão e criavam ansiedade e curiosidade para assistir cada uma daquelas obras - mais de uma vez, se necessário. Ebert me apresentou a filmes que eu nunca descobriria por conta própria, e fez isso da maneira mais agradável possível. Tanto que me despertou a vontade de fazer o mesmo com outras pessoas que não teriam acesso a certos clássicos menos conhecidos da sétima arte. Era um modo de escrever, antes de tudo, inspirador.


Após ler seu segundo livro, "Grandes Filmes", veio a coragem para falar sobre filmes. E assim nasceu o "Kaio No Cinema". Eu posso afirmar seguramente que nunca me atreveria a escrever minhas opiniões sobre filmes se não fosse a inspiração literalmente cinematográfica desse homem - que passou a ser um dos meus escritores favoritos. E por isso a imensa tristeza quando soube de sua morte. Roger Ebert se foi no dia 4 de abril de 2013, depois de lutar contra um câncer por mais de dez anos. Ele tinha 70 anos. Eu sabia que a luta tinha sido dura: para tratar o tumor na tireóide, passou por complicações de uma cirurgia feita em 2006 que deixaram-no incapaz de falar e se alimentar com comidas sólidas. Desde então, se comunicava através de um computador. Mas continuava a escrever sobre filmes em seu blog, sempre fiel ao público.

Roger Ebert era mais do que um mero crítico de cinema. Ele começou a escrever resenhas de filmes no jornal Chicago Sun-Times em 1967, e manteve essa atividade por 46 anos. Ficou extremamente popular nos Estados Unidos ao apresentar, junto com o também crítico Gene Siskel (1946-1999), o programa "Ebert & Siskel At The Movies", onde debatiam e opinavam sobre lançamentos e clássicos. Foi lá que popularizou sua marca registrada: classificava filmes bons ou ruins usando o polegar da mão para cima ou para baixo - muito antes da opção "Curtir" do Facebook.


Ebert costumava dizer que, para os cinéfilos, os diretores eram considerados quase amigos próximos. E acabou ficando realmente amigo de alguns, tamanho seu carisma e fama. Adorado pelos profissionais da área e cinéfilos em geral, Ebert foi o primeiro crítico de cinema a conquistar o prêmio Pulitzer e a receber uma estrela na Calçada da Fama, em Hollywood. Não é pouco. Foi um dos maiores críticos de cinema do século, talvez comparado apenas à Pauline Kael.

Antes de qualquer coisa, Roger Ebert foi um grande mestre inspirador. Nunca soube da minha existência e, infelizmente, nunca terei o prazer de agradecer pessoalmente por tudo que ele despertou em mim. Uma pequena homenagem seria inevitável, até porque só tive coragem de criar esse espaço de reflexão graças aos textos inspiradores que esse homem escreveu. Mais do que uma relação de carinho, tinha verdadeira gratidão pelo seu trabalho. E assim como ele divulgava e apresentava às novas gerações - através de cineclubes e livros - obras de mestres do passado que já se foram, espalharei suas referências e palavras por aqueles que quiserem conhecer mais sobre a arte pela qual nós dois nutríamos paixão. Roger Ebert não foi apenas um dos homens que me apresentou à real Magia do Cinema: ele foi, definitivamente, o homem que me ensinou a escrever sobre ela. E hoje é o "Kaio No Cinema" - e todos os cinéfilos do mundo - que levantam os polegares em sua homenagem.
Ao mestre, com carinho.