O Cinema tem seus milagres: "The Man Who Killed Don Quixote" está em cartaz, enfim projetado numa telona! Uma longa odisséia que merece ser divulgada e celebrada, veja só:
Terry Gilliam está longe de ser um iniciante. Artesão dedicado e cartunista de formação, se tornou o único americano no revolucionário humor britânico do Monty Python. Ainda na década de 70, soltou as amarras para se dedicar a exuberantes obras autorais - são dele "Brazil" (1985), "As aventuras do Barão Munchausen" (1988) e "Os 12 Macacos" (1995), entre outras adoráveis loucuras. E foi por volta de 1987 que Gilliam começou a desenvolver seu projeto pessoal dos sonhos: adaptar a grandiosa saga de Dom Quixote de la Mancha para seu universo estético bem particular. Desde então, foram muitos (muitos!) os obstáculos e traumas para conseguir realizar o filme. Ele chegou a gravar parte do roteiro em 2000, tendo a produção paralisada por dilúvios que destruíram o equipamento e por problemas de saúde do protagonista Jean Rochefort. Já cultuado como um dos "roteiros infilmáveis de Hollywood", o projeto chegou a confirmar Johnny Depp no elenco e John Hurt como o icônico personagem. Depp saiu após diversos adiamentos e cortes do orçamento e Hurt se afastou para tratar o câncer que o matou. As gravações oficiais ocorreram entre 2015 e 2017, finalmente concluídas com outro elenco e equipe, de forma independente.
Tudo pronto para o lançamento oficial no
Festival de Cannes 2018, mais uma reviravolta no caminho: um antigo produtor
reivindica os direitos do filme e proibe a exibição no evento. Diante de tanto
estresse e pressão, o Gilliam de 77 anos sofre um grave derrame. A justiça
ficou ao seu lado e o filme encerrou o festival mais famoso do mundo sob
merecidos aplausos. Gilliam resistiu à descrença dos estúdios, ao orçamento reduzido,
à morte de dois atores principais e ao próprio peso da idade. Unindo forças à
uma equipe jovem e ao velho amigo Jonathan Pryce como Quixote, o diretor
conseguiu concluir o tão desejado projeto. Brigas legais com o tal produtor
dificultaram a distribuição do filme pelo mundo, estreando em reduzidas salas.
Demos sorte: está em cartaz no Rio, no Estação de Botafogo e no Cinépolis
Lagoon. Provável que por pouquíssimo tempo, mas em cartaz! Nada mais justo que
experimentar a obra onde o criador tanto lutou para projetá-la.
Releitura corajosa e onírica de tudo que se
sabe sobre Don Quixote, o resultado parece um hipnótico e delirante sonho
compartilhado com o público. "O Homem Que Matou Don Quixote" acaba
sendo vários filmes em um só, muitos tons e abordagens dissonantes que ecoam o
longo tempo de realização. O que não é exatamente um problema. Mais que uma
narrativa, é uma experiência sensorial, uma jornada visual pela mente insana de
um artista inquieto. Todos os excessos de Gilliam em cena, assim como todas
virtudes que fizeram dele um diretor visionário e respeitado. Assistir esse
filme em uma sala de cinema é uma vitória para todos que acreditam na Arte. Uma
celebração a todos que dedicam a vida à essa loucura que é tirar um roteiro do
papel e captá-lo com uma câmera. Custa dinheiro, requer muito esforço e
sacrifícios, parte do sonho para tentar alcançar novamente o sonho.
Independente do impacto ou reações internas, um milagre em si. Terry Gilliam,
78 anos, pode agora dormir um pouco mais tranquilo. Se tornou, finalmente!, um
vitorioso exemplo do quanto não é fácil ou simples - e também de que desistir
nunca é uma opção.
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