O
título desse artigo é propositalmente ousado e aberto a polêmica. A evocação da
inquestionável obra-prima de Federico Fellini feita em 1960, porém, não é
gratuita. As primeiras divulgações e trailers de "A Grande Beleza" já
evidenciavam uma chamativa semelhança com a obra de Fellini, até mesmo com ecos
de outros clássicos do cultuado cineasta. Selecionado na competição oficial do
festival de Cannes em 2013, o sexto filme de Paolo Sorrentino teve uma
consagração internacional absoluta - que culminou com a vitória na última
edição do Oscar.
Antes de ser rotulado apenas como
"o vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro", a obra de
Sorrentino pode ser encarada como uma grande celebração ao Cinema Italiano.
Comparar "La Grande Bellezza" à obra de Fellini é perigoso e
prepotente, mas é impossível negar os ecos da filmografia do gênio italiano nas
excêntricas imagens dessa produção. Todos os elementos-chave estão lá: as
festas da alta sociedade, os personagens excêntricos, a crise existencial que
permeia cada um, as reflexões filosóficas que movem o protagonista e o absurdo
quase surreal da vida burguesa que o cerca. Apesar desses ecos e possíveis
influências, no fim das contas Sorrentino realiza uma obra autoral com sua
marca, fazendo uso de um humor ácido e cínico que lhe é característico.
O protagonista vivido por Toni Servillo
tem uma aura que lembra inevitavelmente a persona de Marcello Mastroianni.
Charme e estilo marcam o escritor e jornalista decadente
Jep Gambardella, que vive da fama de tempos passados. Mas Servillo, um dos maiores atores em atividade na
Itália, compõe seu papel de forma complexa e brilhante, com incrível carisma. Presente
em clássicos modernos da filmografia italiana, como "Gomorra" (2007)
e "Il Divo" (2008) - sua outra premiada parceria com Sorrentino -,
Servillo se reinventa em cena, pegando inspiração nos ídolos do passado para
criar um errante personagem deslocado com o século em que vive. Ou seja: é a essência dos protagonistas
de Fellini, mas mergulhado nos novos tempos do século XXI.
É um filme longo - 142 minutos -, mas a
viagem é prazerosa e purificadora se o público se permitir levar pelas
hipnóticas imagens orquestradas por Sorrentino - desde a musical introdução até
a poética conclusão, que fica em aberto dependendo do nível de recepção e
envolvimento do espectador. As estonteantes locações italianas ajudam na
imersão, além de servirem como evidências do museu a céu aberto que é aquele
paraíso europeu chamado Itália.
Curiosamente, há ainda espaço para algumas
imagens surreais que evocam a fase mais estilizada da carreira de Fellini, com
obras como "Satyricon" (1969) e "Roma" (1972). São
sequências pontuais que marcam intensamente o filme, como o escritório da
editora anã, o "show" de uma pequena gênia da pintura e, principalmente,
todo o bloco focado na centenária freira santa. Isso é perceptível até no uso
de uma paleta de cores mais exagerada. Por um momento, Sorrentino adentra no
mundo dos sonhos e do inconsciente sem pedir licença para o público. São duas
as soluções possíveis: se distanciar diante de tamanho estranhamento, ou se
deixar levar pelo intenso fluxo de imagens e pensamentos que movem a trama. A segunda vale muito mais a pena.
São precisos olhos maduros para
interpretar e captar a força de "La Grande Bellezza". Olhares mais
ingênuos ficam presos nas polêmicas superficiais presentes na produção. Só que
por trás de toda depravação, sexo, drogas, luxúria e exageros visuais mostrados
na tela, está uma delicada e poética reflexão sobre a verdadeira grande beleza
da vida. Com considerável potencial para polêmicas, o filme dividiu a opinião
de muitos críticos, mas vale aqui lembrar que poucos foram os que admiraram
obras como "A Doce Vida" e "A Aventura" na época de seus
lançamentos. Filmes assim merecem ser assistidos mais de uma vez, merecem um
estado de espírito determinado e especial durante suas exibições. Assim, cabe à
História colocar "A Grande Beleza" no posto que merece: o de nova
obra-prima do Cinema Italiano.
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