sábado, 27 de agosto de 2011

Viagem Insólita - Malick promove experiência visual com "A Árvore da Vida"


O nome dos atores Brad Pitt e Sean Penn brilhando no topo do pôster, juntamente com a enigmática imagem que o ilustra, dava a idéia de que "A Árvore da Vida" seria uma superprodução de ficção científica. Pelo menos isso é o que deve ter passado pela cabeça das centenas de pessoas que abandonaram as sessões nos cinemas americanos. Tal prática se tornou frequente nos outros países em que o filme foi exibido - como aqui mesmo, no Brasil -, o que levou cinemas a afixarem cartazes informando que o dinheiro da sessão não seria devolvido, "por se tratar de um filme de arte". O que de fato ele é. Para o bem ou para o mal, isso acabou despertando mais atenção para o filme em si. Falemos dele então.

Antes de mais nada, é bom saber que "A Árvore da Vida" é uma experiência áudio-visual. Uma coleção de imagens e sons impactantes sem uma continuidade convencional, e muitas vezes sem um sentido claro. Por isso o alto grau de rejeição. De tradicional (ou mais próximo disso) apenas o enfoque em uma família americana da década de 50, da qual os atores citados fazem parte. Essa família é nosso porto seguro na pretensiosa viagem pela história da vida e seus mistérios, que culmina na busca pelo amor altruísta e o perdão. Ou algo bem próximo disso.


O filme é um projeto antigo de Terrence Frederick Malick, um sujeito interessante. Recluso e completamente avesso a entrevistas, fotos e aparições públicas, o diretor americano de 67 anos costuma dedicar muitos anos à finalização de seus filmes - o que explica o fato dele só ter finalizado quatro, sendo esse o quinto. Malick teve a ideia para esse projeto nos anos 70, antes de dirigir "Cinzas no Paraíso" (um show visual da melhor qualidade), mas acabou o deixando de lado até poucos anos atrás. O envolvimento do ator Heath Ledger (imortalizado como o Coringa de "O Cavaleiro das Trevas") incentivou o diretor a retomar o projeto. Após o falecimento do ator, o papel de O'Brien foi assumido por Brad Pitt, que resolveu também produzir o longa, para tornar o envolvente projeto realidade.

Após um trailer misterioso repleto de líricas imagens, o filme estreou no Festival de Cannes cercado de grande expectativa - e sem a presença de Malick para representá-lo, como era de se esperar. Saiu de lá com a Palma de Ouro, prêmio máximo do evento. Isso só voltou mais atenções para a produção.

O grande diferencial a ser discutido nesse filme é o obscuro roteiro, que tem por consequência a estranha edição. O que poucas pessoas sabem é que esse é o filme mais autobiográfico de Malick. Sua própria vida se confunde com a do protagonista desse longa, cujo irmão morre misteriosamente. Malick tinha um irmão mais novo, que era músico e morreu bem jovem. O motivo poucos sabem, mas Malick sempre carregou a culpa consigo. Exatamente como o protagonista do filme, vivido na fase adulta por Sean Penn. Penn reclamou publicamente da edição que o filme recebeu, o que reduziu sua participação para cerca de 8 confusos minutos. O motivo? A inesperada decisão de Malick em dar todo o material filmado para cinco montadores distintos, entre eles o brasileiro Daniel Rezende, editor de "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite 2".


O próprio Sean Penn acha que Malick errou na escolha da narrativa. Marcada por idas e vindas no tempo - com cenas que mostram desde a criação do mundo até as lembranças de infância de Jack, seu personagem -, a construção da trama, em sua opinião, poderia ter sido mais clara e convencional. Mas para quem acompanha a carreira de Malick desde seu filme de estréia, "Terra de Ninguém"(1973), sabe que sua maneira de fazer cinema está muito mais na busca daquilo que não está premeditado, abandonando o "certo" ou usual. Um exemplo claro é sua abordagem da II Guerra Mundial no controverso "Além da Linha Vermelha"(1978). Ou seja, um caso de "ame ou odeie".

É certo que "A Árvore da Vida" decepcionará muitas pessoas. Apesar do forte apelo visual, com imagens belíssimas há muito tempo não vistas em uma produção americana, o filme carrega um irritante rótulo de "filme de arte". Para isso, se atém a referências a obras famosas e consagradas. Em certos momentos, abandona a narrativa para voltar a imagens que lembram "2001 - Uma Odisséia no Espaço" - o que só reforça as comparações entre Malick e Stanley Kubrick, que era tão recluso e genioso quanto ele. Já na parte final, abandona o pouco de lógica existente para fazer uma estranha alusão ao "8 1/2" de Federico Fellini. Tudo isso sem abandonar uma introspecção digna dos filmes de Ingmar Bergman. E o problema não seria se assemelhar a esses filmes. O problema é que, ao tentar ser um pouco de cada um deles, acaba não tendo uma característica própria.


Sendo o "filme americano mais europeu" da temporada, "A Árvore da Vida" continuará como tópico de discussão por um bom tempo, sendo ofuscado (talvez) apenas por outra obra polêmica também recém-lançada: "Melancolia", de Lars Von Trier (mas falar "Von Trier" e "polêmica" na mesma frase já virou redundância...). Ao final da pretensiosa experiência de Terrence Malick, sobram - muitas - perguntas. Talvez esse tenha sido o objetivo do diretor. Talvez a busca pelo sentido da vida e sua origem seja de fato inconclusiva. Talvez o segredo seja a incapacidade de explicá-la. Talvez o perdão por algum erro do passado só seja obtido por nós mesmos, ao enfrentar nossos velhos fantasmas. Quem saberá a resposta? Talvez Malick - mas ele, definitivamente, não vai nos dizer.

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