sábado, 29 de outubro de 2011

É Coisa de Cinema: Os Perigosos Caminhos de Jumping Jack Flash

Charlie (Harvey Keitel) está cansado.Trabalhando para crescer no submundo dos guetos de Little Italy, em Nova York, fica dividido entre a religiosidade da família e a violência que cerca o mundo do qual fará parte. E quando resolve esfriar a cabeça no bar do amigo Tony (David Proval), surge quem ele menos queria ver: Johnny Boy, um jovem revoltado, agressivo e sem escrúpulos, que vive se metendo em confusões por causa de dívidas de jogo. Seria apenas mais um personagem secundário, se não fosse sua introdução em cena. Tudo para (o filme e o espectador) quando os primeiros acordes de "Jumping Jack Flash", dos Rolling Stones, são ouvidos ao fundo da charmosa câmera lenta.

Aquela cena de um minuto resume "Caminhos Perigosos"(1973), primeira obra-prima de Martin Scorsese, que apresentava ali seu estilo único de câmera. Era também a primeira vez que o grande público via Robert Mario De Niro Jr.. No primeiro dos oito (!) filmes que faria com Scorsese, foi esse papel que fez as atenções se voltarem a De Niro, que se tornaria astro de primeira grandeza por suas interpretaçõs explosivas - derivadas dessa. No ano seguinte, ganharia seu primeiro Oscar como Ator Coadjuvante em "O Poderoso Chefão - Parte II". Muito graças a esse filme. Muito graças a essa cena.

Era o ínicio da "década dos diretores", e o público ainda se acostumava a ver uma produção tão realista e violenta, repleta de sexo, drogas e rockn' roll da melhor qualidade. É como se entrassem nos cinemas para assistir ao que encontravam nas ruas. Mal sabiam que vivenciavam a fase mais inspirada do cinema americano.

Não deu outra. Harvey Keitel, que dava vida a um alter-ego do próprio Scorsese e protagonizava o filme, acabou em segundo plano, ofucsado pela presença hipnótica de De Niro. Ele e Scorsese viraram as celebridades mais requisitadas daquela nova geração. Todo esse prestígio e credibilidade gerariam, três anos mais tarde, a obra seminal chamada "Taxi Driver". Tudo graças a uma cena simples e icônica como essa.

domingo, 23 de outubro de 2011

Definitivamente, "É Coisa de Cinema"!



116 anos e contando. Foi em 1895 que o cinema tomou o mundo de assalto para se tornar o maior espetáculo visual da humanidade. Tendo sido a arte predominante do século XX - não à toa conhecido como o "século da imagem" - o cinema gerou cenas e personagens tão clássicos que passaram a fazer parte da cultura geral de qualquer habitante do planeta. Esses momentos, por mais rápidos que fossem, deixavam clara a magia do cinema. E essa é a minha humilde proposta ao criar uma seção denominada "É Coisa de Cinema": apresentar esses momentos que ultrapassaram a história do cinema, para fazer parte da história do mundo. Momentos de alegria, terror, aventura, fantasia... Ou, simplesmente, momentos de pura magia.

Para início de conversa, como "matéria inaugural", faço um convite para uma viagem a esse mundo maravilhoso que, por décadas e gerações, encantou e ainda encanta milhões de cinéfilos mundo afora. Apenas 8 minutos, que resumem pelo menos 100 anos de cinema, com seus grandes filmes, estrelas e cenas. Boa viagem... Ah, e não pisque! Você pode perder o maior show de sua vida.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

É Coisa de Cinema : "What a Glorious Feeling... I'm Happy Again!"

Um homem. Uma tempestade durante a noite. Um guarda-chuva. Um trio que, sem saber, entraria para a história do cinema e do século XX. O ano era 1952. O filme, “Cantando na Chuva”, considerado ainda hoje um dos 10 melhores filmes de todos os tempos pela Academia Americana de Cinema e por milhões de fãs ao redor do mundo. A cena em questão, uma sequência de 5 minutos que resume não só o filme de 105 minutos, mas também todo o gênero musical do cinema.

A aventura do astro de cinema Don Lockwood (encarnado por um inesquecível Gene Kelly) tem como ápice o momento em que ele se despede de sua amada – Debbie Reynolds, no primeiro papel de sua carreira – e, inspirado pelo amor correspondido, resolve cantar de dançar embaixo da chuva que inunda a rua. Quando a música instrumental anuncia o famoso trecho que se aproxima, basta Kelly fechar o guarda-chuva com seu grande sorriso para que sejamos transportados para um dos momentos mais mágicos já registrados em imagem. Essa magia sobreviveu por diversas gerações e ainda hoje encanta crianças, adultos e idosos. Ouso dizer que até animais param de fazer barulho quando Kelly pula no poste de luz após berrar “What a glorious feeling!”.

Já famoso por musicais e parcerias com Frank Sinatra, foi com esse filme que Kelly se eternizou na mente de todas as pessoas como o incrível dançarino que foi. Movimentos simples, que poderiam ser reproduzidos por qualquer louco que tentasse dançar igual na chuva, mas nunca com a mesma leveza e facilidade que o ator/dançarino apresenta. Irônico imaginar que ele estivesse ardendo de febre quando as filmagens foram realizadas. Coisa de gênio, essa sim inimitável.

Hoje, quase 60 anos depois de lançado, nenhum outro dançarino interagiu tão bem com uma rua, com poças d’água ou mesmo com um objeto tão simples como um guarda-chuva. Poucos filmes expressaram tão bem a real magia do cinema - e sem efeitos especiais! E nós ainda podemos nos maravilhar com aquela chuva que há mais de meio século chove sem parar. Como Kelly mesmo diria: “Que sentimento glorioso!”

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Nos Tempos da Brilhantina - "American Graffiti", a obra-prima desconhecida de George Lucas


Cada geração tem o filme marcante que merece. Para meus pais, o filme em questão foi "Curtindo a Vida Adoidado"(1986). Para mim, foi "Superbad - É Hoje!" (2007). Filme produzido pelo atual "rei da comédia" Judd Apatow, mostra a última noite de três amigos antes de eles irem para a faculdade seguir com a vida. Ou seja, sua busca por garotas, bebidas e diversão. O interessante é que esse filme, embora poucos saibam, tem muitas características em comum com uma divertida produção de 1973, dirigida por ninguém menos que George Lucas. Isso mesmo, o homem por trás da saga Star Wars. Com vocês, "American Graffiti - Loucuras de Verão".

Em 1970, George Walton Lucas Jr. tinha acabado de lançar "THX 1138", uma cerebral adaptação de seu próprio curta de faculdade. Era um jovem diretor que sonhava em controlar seus projetos e que tinha como amigo o então pouco conhecido Francis Ford Coppola. Após o público rejeitar a versão - editada pelo estúdio - de seu filme de estréia, Lucas entrou em depressão. Mas bastou Coppola declarar que ele não conseguiria fazer um filmes leve e divertido para a inspiração voltar.


Disposto a fazer um filme "sobre e para jovens", Lucas escreveu e realizou "American Graffiti", cujas filmagens foram concluídas em apenas 29 dias. Na trama, Curt e Steve se metem em confusões por sua cidadezinha de interior no último dia do verão de 1962, antes de partirem para a universidade. A aceitação do público foi tão grande que ele recuperou o orçamento de 770 mil dólares em poucas semanas e recebeu 5 indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor.

Mas o curioso é prestar atenção no elenco do filme. Disposto a escalar apenas atores desconhecidos para os papéis, Lucas acabou descobrindo um grupo que ficaria conhecido no cinema. Chega a ser engraçado ver Richard Dreyfuss ainda cheirando a talco em seu primeiro papel de destaque como o confuso Curt. Mais tarde ele seria alçado ao posto de astro por filmes como "Tubarão"(1975) e "Contatos Imediatos de Terceiro Grau"(1977), ambos sob o comando de Steven Spielberg - por sinal, um grande amigo pessoal de Lucas. Mais interessante é observar o posteriormente oscarizado diretor Ron Howard ("Uma Mente Brilhante", "O Código Da Vinci") atacando como ator no papel do orgulhoso Steve, em uma época em que até tinha cabelo.


O filme é repleto de rostos marcantes, mas nenhum é mais memorável do que o de Charles Martin Smith. Vendo seu personagem Terry "Toad" em ação, não é difícil saber de onde veio a inspiração para o personagem McLovin, que rouba a cena em "Superbad". Aqui as atenções se voltam para o hilário Smith. Seu tipo físico acabou o prendendo em personagens voltados para o humor, e isso dificultou a carreira posterior do ator, que só teve destaque novamente no filmaço "Os Intocáveis"(1987). Outro ponto alto do filme é a presença de Paul Le Mat, que faz em sua caracterização uma clara homenagem a James Dean. Ator mais carismático em cena, ele infelizmente foi um galã que não deu certo, sendo famoso apenas por esse filme. Pela atuação aqui apresentada, prometia muito mais.

Mas o destaque absoluto vai, sem dúvida, para a participação de cerca de 15 minutos de um futuro astro do cinema. "American Graffiti" é até hoje mais conhecido por ser o primeiro filme de Harrison Ford, antes dele sonhar ser eternizado como Indiana Jones. Ford se recusou a cortar o cabelo para as filmagens, já que o seu papel no filme era pequeno. Sugeriu então que seu personagem usasse um chapéu. E assim aparece em cena como o afobado Bob Falfa. A forte presença em cena chamou a atenção de Lucas, que quatro anos mais tarde o chamaria para o papel de um pirata espacial chamado Han Solo. O resto é história.


Antes de mais nada, esse filme é a grande prova do talento de George Lucas, que não está apenas resumido ao universo espacial de Star Wars. Depoimentos da época sugerem que Lucas tinha grande dificuldade na direção dos atores, contando com assistentes especiais voltados para essa tarefa. Mas sua sensibilidade como cineasta pode ser percebida em cada angulo de câmera usado. Mais voltados para os aspectos técnicos do longa, Lucas sabia aproveitar momentos inspirados dos atores. A cena em que Charles Martin Smith pula da moto que bate em um prédio logo no início do filme, não estava no roteiro. Na verdade, o ator perdeu o controle da moto, mas o Lucas decidiu por inserir aquilo no filme. Ponto para ele - e para o público, que já entrava no clima do filme na primeira cena.

A reconstituição do início da década de 60, ainda marcada pelas inovações tecnológicas e musicais da década de 50, é simplesmente perfeita, e ouso dizer que nenhum outro filme conseguiu (ainda) reproduzir aquele cenário de maneira tão natural e convincente. Além de ser um deleite para os fãs de carros antigos, a trilha sonora é um achado à parte, repleta de Chuck Berry, Buddy Holly e outros pioneiros do rock, o que só ajuda no efeito marcante das cenas tão bem planejadas por Lucas. Apresentando um humor ágil e inovador, ele ainda presta homenagem aos antigos radialistas que marcaram a cultura americana, centralizados na figura mística de Wolfman Jack, um famoso DJ americano das décadas de 60 e 70, que interpreta a si mesmo na cena mais bonita e inspirada do filme. Seus comentários ácidos e irônicos acompanham os personagens o tempo todoS e ajudam a definir uma era, cujo clima é cortado pelos frios letreiros que apresentam o destino dos personagens ao final da projeção.


No fim das contas, Lucas realiza com seu "American Graffiti" algo bem semelhante ao que Martin Scorsese fazia no mesmo ano com sua primeira obra-prima, "Caminhos Perigosos". Enquanto Scorsese focava nas violentas ruas de Nova York, Lucas investia na ingenuidade juvenil das pequenas cidades do interior. Enquanto Scorsese usava detalhes autobiográficos de sua infância em Little Italy, Lucas filmava cenas que vivera em sua juventude em Modesto, California. Um diretor de grande talento, que poderia ter feito muito mais coisa de qualidade além da fantástica saga espacial que o imortalizou na história do cinema. Não à toa, ajudou a marcar uma era.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

As Noites da Arábia - A Magia Atemporal de "O Ladrão de Bagdá"


A paixão irrefreável pelo cinema me levou a encontrar vários vídeos e montagens das melhores cenas e momentos dessa arte. Até fiz alguns deles, inclusive. O fato é que, invariavelmente, eu era surpreendido por uma lírica imagem de um homem montado em um cavalo cavalgando em direção aos céus. Tal cena me tocava intensamente, por deixar clara a magia do cinema. Cresci e amadureci sem descobrir de onde ela vinha.

Em outra ocasião, procurava imagens marcantes de filmes de aventura quando encontrei a foto hipnótica de um gênio gigante, idêntico ao do desenho "Aladdin" - que tanto marcou minha infância. Só que dessa vez, ele era de carne e osso. Lá estava o gênio, hipnótico e "real". O tempo passava, mas aquelas icônicas imagens continuavam fortes na cabeça. "Tenho que assistir a esses filmes", eu pensava.


Certo dia, no cineclube que frequento, a sessão da noite era "O Ladrão de Bagdá": uma aventura de 1940 que na verdade era a refilmagem do famoso clássico homônimo de 1924, estrelado por Douglas Fairbanks - esse, o primeiro herói do cinema. Fora isso, nada mais sabia sobre o longa. Começa o filme. Cenários suntuosos. Atores marcantes. Visual fantástico e hipnótico. Um homem atravessa os céus em um cavalo. A mais pura magia em celulóide. Mais um pouco e um gênio toma a tela de assalto. Tapetes voadores. Aranhas e polvos gigantes. Lá estavam todos os filmes de fantasia que eu tanto procurava, reunidos em um só.

Estrelada pelo "galã que não deu certo" chamado John Justin, "The Thief of Bagdad" foi uma "mega-produção" na época, a ponto do então todo-poderoso produtor Alexander Korda contratar 3 diretores (!) para filmar o roteiro preparado pelo próprio. Uma adaptação de "As Mil e Uma Noites", sagrado livro que tem a maioria das lendas e mitos indianos, persas e árabes. O grande apelo comercial do filme recaía sobre os incríveis efeitos visuais, que ainda hoje encantam - vide as cenas já citadas. Um truque usado até hoje foi usado pela primeira vez neste filme: a gravação em fundo azul para depois colocar o cenário colorido durante a edição. Técnicas e Technicolor para criar o melhor clima de ação e aventura possível. O resultado foram 3 Oscar da Academia de Cinema: Melhor Direção de Arte, Melhor Fotografia e Melhores Efeitos Visuais e Sonoros.


O destaque vai para a presença de Conrad Veidt, eternizado como vilão na história do cinema por seus papéis em "O Gabinete do Dr. Caligari" (1919) e "Casablanca"(1942). Aqui, mais uma vez, usa seu aterrorizante olhar no papel do sinistro Jaffar - isso mesmo, o vilão de Aladdin em pessoa! Mas as atenções também se voltam para Sabu, ator indiano que ficou marcado por esse tipo de produção. Nunca emplacou outro sucesso, mas seu visual inspirou diretamente o personagem Hadji, do clássico desenho Johnny Quest.

O melhor é saber que, mais de 70 anos depois, a magia do filme continua funcionando. Mesmo parecendo ingênuo para os padrões atuais, "O Ladrão de Bagdá" lembra uma época em que entretenimento visual proporcionava mais qualidade e diversão do que "Transformers" ou filmes-pipoca atuais desse tipo. Algo que o primeiro "Piratas do Caribe" (2003) chegou bem perto de alcançar.


Tudo o que vem à nossa mente ao mencionarmos a Arábia e "As Mil e Uma Noites" pode ser encontrado em "O Ladrão de Bagdá". Inspirou diretamente produções como o já citado "Aladdin" e as aventuras de Indiana Jones, principalmente em "O Templo da Perdição" (1983). Não à toa, é um dos filmes favoritos de diretores consagrados, como Francis Ford Coppola e Martin Scorsese. Uma verdadeira jóia rara e muito valiosa, injustamente (ainda) esquecida em algum lugar do passado - mas preparada para cravar suas icônicas imagens na cabeça e no coração de muitas gerações do passado, do presente e do futuro. Alexander Korda ficaria orgulhoso do resultado.

sábado, 27 de agosto de 2011

Viagem Insólita - Malick promove experiência visual com "A Árvore da Vida"


O nome dos atores Brad Pitt e Sean Penn brilhando no topo do pôster, juntamente com a enigmática imagem que o ilustra, dava a idéia de que "A Árvore da Vida" seria uma superprodução de ficção científica. Pelo menos isso é o que deve ter passado pela cabeça das centenas de pessoas que abandonaram as sessões nos cinemas americanos. Tal prática se tornou frequente nos outros países em que o filme foi exibido - como aqui mesmo, no Brasil -, o que levou cinemas a afixarem cartazes informando que o dinheiro da sessão não seria devolvido, "por se tratar de um filme de arte". O que de fato ele é. Para o bem ou para o mal, isso acabou despertando mais atenção para o filme em si. Falemos dele então.

Antes de mais nada, é bom saber que "A Árvore da Vida" é uma experiência áudio-visual. Uma coleção de imagens e sons impactantes sem uma continuidade convencional, e muitas vezes sem um sentido claro. Por isso o alto grau de rejeição. De tradicional (ou mais próximo disso) apenas o enfoque em uma família americana da década de 50, da qual os atores citados fazem parte. Essa família é nosso porto seguro na pretensiosa viagem pela história da vida e seus mistérios, que culmina na busca pelo amor altruísta e o perdão. Ou algo bem próximo disso.


O filme é um projeto antigo de Terrence Frederick Malick, um sujeito interessante. Recluso e completamente avesso a entrevistas, fotos e aparições públicas, o diretor americano de 67 anos costuma dedicar muitos anos à finalização de seus filmes - o que explica o fato dele só ter finalizado quatro, sendo esse o quinto. Malick teve a ideia para esse projeto nos anos 70, antes de dirigir "Cinzas no Paraíso" (um show visual da melhor qualidade), mas acabou o deixando de lado até poucos anos atrás. O envolvimento do ator Heath Ledger (imortalizado como o Coringa de "O Cavaleiro das Trevas") incentivou o diretor a retomar o projeto. Após o falecimento do ator, o papel de O'Brien foi assumido por Brad Pitt, que resolveu também produzir o longa, para tornar o envolvente projeto realidade.

Após um trailer misterioso repleto de líricas imagens, o filme estreou no Festival de Cannes cercado de grande expectativa - e sem a presença de Malick para representá-lo, como era de se esperar. Saiu de lá com a Palma de Ouro, prêmio máximo do evento. Isso só voltou mais atenções para a produção.

O grande diferencial a ser discutido nesse filme é o obscuro roteiro, que tem por consequência a estranha edição. O que poucas pessoas sabem é que esse é o filme mais autobiográfico de Malick. Sua própria vida se confunde com a do protagonista desse longa, cujo irmão morre misteriosamente. Malick tinha um irmão mais novo, que era músico e morreu bem jovem. O motivo poucos sabem, mas Malick sempre carregou a culpa consigo. Exatamente como o protagonista do filme, vivido na fase adulta por Sean Penn. Penn reclamou publicamente da edição que o filme recebeu, o que reduziu sua participação para cerca de 8 confusos minutos. O motivo? A inesperada decisão de Malick em dar todo o material filmado para cinco montadores distintos, entre eles o brasileiro Daniel Rezende, editor de "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite 2".


O próprio Sean Penn acha que Malick errou na escolha da narrativa. Marcada por idas e vindas no tempo - com cenas que mostram desde a criação do mundo até as lembranças de infância de Jack, seu personagem -, a construção da trama, em sua opinião, poderia ter sido mais clara e convencional. Mas para quem acompanha a carreira de Malick desde seu filme de estréia, "Terra de Ninguém"(1973), sabe que sua maneira de fazer cinema está muito mais na busca daquilo que não está premeditado, abandonando o "certo" ou usual. Um exemplo claro é sua abordagem da II Guerra Mundial no controverso "Além da Linha Vermelha"(1978). Ou seja, um caso de "ame ou odeie".

É certo que "A Árvore da Vida" decepcionará muitas pessoas. Apesar do forte apelo visual, com imagens belíssimas há muito tempo não vistas em uma produção americana, o filme carrega um irritante rótulo de "filme de arte". Para isso, se atém a referências a obras famosas e consagradas. Em certos momentos, abandona a narrativa para voltar a imagens que lembram "2001 - Uma Odisséia no Espaço" - o que só reforça as comparações entre Malick e Stanley Kubrick, que era tão recluso e genioso quanto ele. Já na parte final, abandona o pouco de lógica existente para fazer uma estranha alusão ao "8 1/2" de Federico Fellini. Tudo isso sem abandonar uma introspecção digna dos filmes de Ingmar Bergman. E o problema não seria se assemelhar a esses filmes. O problema é que, ao tentar ser um pouco de cada um deles, acaba não tendo uma característica própria.


Sendo o "filme americano mais europeu" da temporada, "A Árvore da Vida" continuará como tópico de discussão por um bom tempo, sendo ofuscado (talvez) apenas por outra obra polêmica também recém-lançada: "Melancolia", de Lars Von Trier (mas falar "Von Trier" e "polêmica" na mesma frase já virou redundância...). Ao final da pretensiosa experiência de Terrence Malick, sobram - muitas - perguntas. Talvez esse tenha sido o objetivo do diretor. Talvez a busca pelo sentido da vida e sua origem seja de fato inconclusiva. Talvez o segredo seja a incapacidade de explicá-la. Talvez o perdão por algum erro do passado só seja obtido por nós mesmos, ao enfrentar nossos velhos fantasmas. Quem saberá a resposta? Talvez Malick - mas ele, definitivamente, não vai nos dizer.

domingo, 14 de agosto de 2011

A Dama e o Vagabundo - "Luzes da Cidade" completa 80 anos com magia e beleza


Bastou a combinação "terno preto maltratado + chapéu-coco + bengala + bigodinho quadricular" para Charles Spencer Chaplin conquistar o mundo. Durante as décadas de 20 e 30, ele foi a personalidade mais conhecida do planeta, perdendo o posto apenas na década de 40 para a figura de Adolf Hilter - que por acaso (?) tinha o mesmo bigode. Mestre absoluto da sétima arte, e essencial para seu desenvolvimento, Chaplin é criador de várias obras seminais do cinema, como "Em Busca do Ouro"(1925) e "Tempos Modernos"(1936). Mas normalmente as principais listas e críticos da área consideram "Luzes da Cidade" sua grande obra-prima.

O filme completou 80 anos de forma especial: duas noites de exibição especial no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, nos dias 13 e 14 de agosto, pela série "Música e Imagem" que na edição anterior exibiu o clássico "Metrópolis" (comentado aqui no site). Mas a questão que cabe aqui é tentar entender por que esse é o filme mais querido de Charles Chaplin.

Após concluir "O Circo" (1928), um de seus filmes mais engraçados e atemporais - e na minha opinião, exatamente por isso um dos melhores - Chaplin logo mergulhou de cabeça na produção de um novo projeto. Abalado pelos problemas técnicos que passara na produção do filme anterior e pela morte recente da mãe, Chaplin ainda recebeu outro baque: o cinema falado, que surgiu com "O Cantor de Jazz"(1927) e veio para ficar. O cineasta sabia que seu alter-ego, o pobre vagabundo famoso nos filmes mudos, não funcionaria com som. Chaplin defendia que diálogos eram dispensáveis e tirariam a beleza da arte da imagem. Contra todas as expectativas, resolveu fazer um filme mudo em plena época em que todos investiam em produções sonoras.


Representação máxima do jargão popular "O Amor É Cego", o enredo gira em torno do Vagabundo, novamente sem dinheiro e casa, e de uma jovem e pobre florista cega pela qual ele se apaixona. Mas isso é apenas um resumo básico, pois são vários os caminhos tomados pelo filme, resultado das várias idéias soltas que Chaplin tinha. Tudo funciona maravilhosamente bem, devido às sacadas geniais do roteiro que se divide em três atos distintos, mas muito bem amarrados: a garota confundindo o vagabundo com um milionário, o que o faz fingir ser rico; o milionário bêbado que é salvo por ele ao tentar se suicidar, se tornando um grande amigo enquanto bêbado - pois quando fica sóbrio não se lembra de mais nada nem ninguém -; as trapalhadas do vagabundo em busca de dinheiro para pagar o aluguel e a operação da garota.

As histórias dos bastidores também tornaram o filme mais comentado e famoso: perfeccionista, Chaplin não estava satisfeito com a atuação de Virginia Cherrill como a florista cega, chegando a demití-la para refilmar algumas com Georgia Hale, sua atriz em "Em Busca do Ouro". Isto tornou-se muito caro, mesmo para o seu orçamento e, assim, Chaplin re-contratou Cherrill para concluir as filmagens de City Lights (no original). Indeciso na escolha de uma desculpa plausível que justificasse a cega confundir o vagabundo com um milionário, Chaplin fez 342 tomadas da cena em que o vagabundo compra uma flor da florista, até chegar à versão final, onde o equívoco se dá pelo som da porta de uma limosine se fechando.


Focado muito mais no romance do que na comédia, "Luzes da Cidade" certamente não é o filme mais engraçado de Chaplin. Seu grande diferencial é ser o que melhor representa a figura do vagabundo que ele imortalizou na história do século XX. Seu personagem nunca funcionou tão bem como nas situações propostas nesse longa, que ainda serve como crítica ao uso do som: mantendo o filme mudo e tendo escrito a trilha sonora instrumental, Chaplin adicionou alguns efeitos de sonoplastia na trama, como um apito (que busca mostrar como é incômodo o som nos filmes) e estranhos barulhos que substituem os discursos iniciais na abertura - uma indireta de que sons não seriam necessários ali. Mensagem dada. Mesmo assim, a cena da luta de boxe - em sua totalidade, desde a preparação até os momentos decisivos em cima do ringue - certamente está entre uma das mais engraçadas já vistas no cinema.

Apesar de algumas piadas soltas parecerem inicialmente repetitivas, todas se encaixam perfeitamente no decorrer da história, com uma harmonia raramente vista nos cineastas atuais. Com seus 87 minutos, o filme não parece em nenhum momento arrastado. Se tivesse alguns minutos a mais ou a menos, não funcionaria da mesma forma. Todos os elementos que marcariam um "filme de Chaplin" estão presentes nessa produção. Uma aula de narrativa da melhor qualidade, culminando em uma cena que, sozinha, merece um parágrafo à parte.


Apenas com a cena final, Chaplin já derruba qualquer argumento contra sua teoria a favor do cinema mudo. Através do olhar, ele consegue nos fazer sentir tudo que se passa na cabeça do vagabundo ao reencontrar a mulher amada. Ele sabe que ela está enxergando, e quer se esconder. Ela se aproxima e ele tenta fugir, mas a alegria de revê-la não permite, até que ela toca em suas mãos por acidente e reconhece naquele maltrapilho o galã que idealizava. Nesse momento, pétalas vão caindo da flor que Chaplin segura. O que seria apenas um possível acidente de cena, se revela um detalhe enriquecedor e bem pensado. As petálas representam a queda da imagem que a antes cega florista tinha de seu herói. São os esforços do vagabundo para se esconder desmoronando. São um exemplo de bom cinema. Ao ver a reação da garota, Chaplin apenas sorri, conformado, sabendo que mais uma vez seu destino é terminar a história sozinho. Uma das cenas mais lindas já postas em um filme, prova de que Chaplin é um dos grandes mestres da arte da imagem.

"Luzes da Cidade" resiste ao tempo simplesmente por ser, em toda sua simplicidade e ingenuidade, um dos filmes mais belos e romanticos já feitos. Orson Welles - gênio responsável por "Cidadão Kane" - inclusive declarou certa vez que esse era seu filme favorito. E o sucesso e adoração após 80 anos de seu lançamento são garantia do caráter universal e atemporal da obra de Charles Chaplin, um artista que soube como poucos combinar risos com lágrimas. Ele foi premiado tardiamente, com um mero Oscar honorário em 1972 - quando já tinha 83 anos (!) -, pelo "efeito incalculável que teve em tornar os filmes a forma de arte deste século". Hoje, 122 anos após seu nascimento e 34 anos depois de sua morte, a figura de Chaplin ainda presente prova que enquanto o cinema fizer parte de nossas vidas, ele para sempre será um de seus maiores gênios e ícones. Ou, simplesmente, o eterno vagabundo.

sábado, 16 de julho de 2011

Feitiço do Tempo - A saga de Harry Potter (e a era marcada por ela) chega ao fim


Pois é, acabou. Exatos dez anos após a estreia de "Harry Potter e a Pedra Filosofal", a saga do bruxo com cicatriz em formato de raio chega ao fim. Como era de se esperar, grande ansiedade e uma certa porção de tristeza tomam de assalto o coração dos milhares de fãs ao redor do mundo. O clímax dessa expectativa pôde ser sentido na pré-estreia do longa, ocorrida na madrugada do dia 14 de julho de 2011: gritos, palmas e lágrimas enchiam a sala durante os 130 minutos de exibição.

Continuação direta da primeira parte lançada em novembro passado, "Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2" entrega exatamente o que prometia: o grande confronto final, uma épica conclusão para a saga - reforçado ainda pela tecnologia 3D. Mais que isso, prova que o ousado plano dos estúdios Warner deu certo: produzir 8 superproduções em 10 anos, mantendo os mesmos atores nos papéis durante todos os filmes - o que só não foi possível com Richard Harris, que fez Dumbledore nos dois primeiros filmes mas morreu ao terminar o segundo, sendo substituído por Michael Gambon - e marcando a vida de milhares de jovens ao redor do mundo. Leitores dos livros originais de J.K. Rowling ou não, não era muito difícil ser conquistado pelos filmes, que mesmo mudando certos detalhes de adaptação (como não podia deixar de ser) conseguiram transpor toda a magia das páginas para as telas.


E para os que vinham acompanhando as aventuras do bruxo desde o início, esse filme tem uma proposta ainda maior. Ao mesmo tempo em que mostra a maturidade dos personagens principais, reforçada até pelo tom mais sombrio e violento da série, essa conclusão é uma mensagem direta de que a infância daqueles que a tudo assistiam - no caso, os jovens espectadores, como eu e você - acabou. Todo aquele mundo mágico é revisitado: o banco de Gringotes, repleto de duendes assustadores que nos encantou no primeiro filme está lá, assim como a câmara secreta do segundo. Até mesmo a estação do Trem Expresso de Hogwarts dá as caras novamente. É a última visita àqueles lugares tão familiares, uma verdadeira despedida de um universo único que não visitaremos mais - quer dizer, agora, só no parque da Disney. Ver esses lugares destruídos dá um aperto no coração dos fãs mais fervorosos, e a imagem do castelo de Hogwarts destruído não é nada menos que impactante.

Além do show visual - os efeitos nunca estiveram melhores -, o filme é o auge das atuações de seu elenco, o clímax dramático. O trio principal, que acompanhamos crescer nas telas ano a ano, como raramente antes no cinema, transborda emoção. Não poderia ser diferente, afinal, são os próprios atores se despedindo dos personagens que marcaram suas vidas de uma maneira inexplicável e os acompanharão sempre no imaginário popular. O mais incrível é reconhecer todas as caras presentes: todos os alunos e professores que aparecem em cena são vividos pelos mesmos atores que os interpretaram desde o primeiro filme.


Personagens que andavam sumidos têm aqui seu devido valor revisto, e o caso de maior destaque é Neville Longbottom, vivido pelo antes gordinho Matthew Lewis, que era apenas o amigo atrapalhado e engraçadinho de Potter e aqui mostra sua importância crucial para a história. A dama inglesa Maggie Smith , que ainda dá vida à tão importante Minerva McGonagall aos 76 anos - e só vinha fazendo pontas nos últimos filmes -, tem agora participação maior e mais destacada, sendo merecidamente uma das personagens mais queridas pelo público. Julie Walters, que vive a matriarca da família Weasley, e David Thewlis, como o adorado professor Lupin, são outros destaques merecidos.

Como não podia deixar de ser, o desfecho de alguns personagens causa grande comoção, assim como importantes segredos são revelados, mudando completamente a perspectiva de toda a história. Claro que não teria a menor graça contá-los aqui, pois recebe-los como um grande feitiço em nossas mentes é um dos baratos dessa parte final, que é feita de grandes momentos. A grande cena do encontro entre Harry Potter, o garoto que sobreviveu, com Voldemort, o Lorde das Trevas, há tanto tempo esperada, não poderia ter sido feita de forma melhor. A esperada cena entre Hermione e Rony. Todos os personagens lutando por suas vidas. O ataque em massa ao castelo, misturando todos os seres que se pode imaginar. Está tudo lá, por uma última vez. Os mais emotivos sem dúvida derramarão lágrimas ao ver imagens tão belas e momentos tão decisivos.


Fazendo-se um grande balanço geral da série, pode-se afirmar que Michael Gambon, na pele do sábio Alvo Dumbledore, e - principalmente - Alan Rickman, na pele do impagável e detestado Severo Snape, foram os melhores atores em cena. Essa ideia se reforça nesse último filme, que ainda comprova que o inglês David Yates foi o homem certo para comandar os últimos 4 filmes da série, que marcou intensamente a primeira década desse século e foi a franquia mais lucrativa dos cinemas - pelo menos, até agora. Yates injetou ritmo extra aos filmes, lembrando-se que esse último se passa basicamente em um dia.

Juntando-se as duas partes de "As Relíquias da Morte", é possível que tenhamos o melhor capítulo da saga, mas pouco importa delimitar qual foi o melhor. O fato é que quando os créditos aparecem após o nostálgico e emocionante epílogo, a sensação de satisfação é logo transformada em um vazio interior. Assim como aconteceu antes com a franquia "Star Wars", em 2005, é a ultima vez que os fãs assistem aqueles personagens, ouvem aquela música, são transportados para aquele mundo. Para quem acompanha desde o início, é muito mais do que apenas um filme. E não há feitiço que cure esse vazio. Pelo menos, não mais.