segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Uma Odisséia No Espaço - Alfonso Cuarón Promove Completa Imersão com "Gravidade"


Pra começar, vou direto ao ponto: não deixe de assistir "Gravidade" em 3D nos cinemas. Pronto, agora vamos aos argumentos.

"Gravidade" foi o filme de abertura do Festival de Veneza 2013. A expectativa em torno da produção era alta: não se tratava apenas do primeiro filme de Cuarón desde 2006, mas de uma complexa ficção científica que vinha sendo gravada desde 2011. A presença dos Oscarizados Sandra Bullock e George Clooney no elenco - somente os dois, na verdade - aumentaram ainda mais o burburinho. Mas as apostas deram certo e o filme arrebatou todos os presentes em sua estreia. Após a esperada exibição, falava-se em Oscar, em obra-prima, em "história do Cinema sendo feita". Por que tudo isso?


"Gravity" conseguiu um orçamento de 80 milhões ancorados principalmente no talento e prestígio de Alfonso Cuarón. Um dos melhores cineastas em atividade no mundo, o mexicano já tinha no currículo grandes filmes como "E Sua Mãe Também" (2001) e "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" (2004), o único da popular franquia que tinha uma marca autoral forte. Depois da subvalorizada ficção científica "Filhos da Esperança" (2006), Cuarón passou a se dedicar a esse novo projeto, outra ficção científica autoral. Após a aprovação da ideia, Cuarón assumiria as funções de co-roteirista, produtor, co-editor e diretor (!). E isso é visto em cena: o que poderia ser uma mera superprodução repleta de efeitos especiais e nenhuma emoção se revela uma experiência sensorial envolvente com a forte marca de um olhar cinematográfico. Cuarón sabe exatamente o que está fazendo - e o faz muito bem.

Muitos reclamaram do roteiro do filme. De fato, tudo é muito simples: "Gravidade" acompanha dois astronautas sobreviventes em uma estação espacial danificada. São personagens com pouco controle de suas ações, por estarem mergulhados em condições limitadas e arriscadas. Os acontecimentos mais determinantes acontecem nos cerca de 20 minutos iniciais de projeção. A partir daí, seguimos os astronautas por suas desventuras, sensações e experiências quase mortais, tentando mudar seus destinos a todo custo. O filme precisa de apenas 90 minutos para isso, funcionando perfeitamente nesse arco de tempo quase real. A narrativa nos faz acompanhar a personagem de Sandra Bullock quase em primeira pessoa. Ela está realmente muito bem em cena - não é uma atuação digna de Oscar, mas de justos aplausos para uma atriz tão marcada por papéis menos complexos. Ela consegue levar o filme sozinha nas costas - no caso, na roupa espacial -, mas conta também com o carisma de George Clooney para ajudar. Com bem menos tempo em cena, Clooney não se esforça muito para ir além de sua persona, mas ao menos mostra que seria uma agradável e simpática companhia para quem alguém eventualmente perdido no espaço.


O ponto alto de "Gravidade" não são seus atores e muito menos seu roteiro: é o modo como toda situação e ação são mostradas em cena. A abertura é um longo e elaborado plano sequência que, em sua técnica e complexidade, já se torna antológico. O queixo de quem assiste pesa, um arrepio se torna involuntário e, em questão de minutos, já nos vemos completamente sugados para aquela realidade ali proposta. A câmera de Cuarón passeia sem limites pelo espaço, como se fosse mais um corpo solto entre os astronautas - até mesmo entrando em seu capacete em certos momentos, dando uma total sensação de imersão. É como estar dentro de um game ultra-realista ou  ainda um simulador dos bons. E aí que entra a importância do efeito 3D. O artifício, para a alegria do público acostumado a filmes desnecessários no formato, é aqui usado com extremo cuidado e relevância - tão fluente quanto em "Avatar", tão charmoso quanto em "A Invenção de Hugo Cabret" e tão lírico quanto em "As Aventuras de Pi". Mas há uma diferença marcante: aqui, o 3D se torna um personagem fundamental para a imersão completa. Se "imersão" é a palavra que define a experiência de assistir "Gravidade", o 3D se torna o passaporte ideal para isso. Quem se deixar levar na viagem, vai concordar que, em questões técnicas e visuais, o filme beira a perfeição.

Não tenho dúvidas de que o sr. George Méliès (1861-1938), ilusionista francês que primeiro levou o cinema ao espaço com o clássico "Viagem à Lua" (1902), ficaria extasiado com a capacidade de "Gravidade" em fascinar o público com suas maravilhosas trucagens - no caso, digitais. Também ouso dizer que Stanley Kubrick (1928-1999) ficaria satisfeito em encontrar no novo filme de Cuarón um digno acompanhante de seu "2001 - Uma Odisséia no Espaço" (1968) na lista de filmes que melhor representam o espaço nas telas. George Lucas ficaria louco com a qualidade dos efeitos e provavelmente relançaria as trilogias de Star Wars buscando uma imersão semelhante. Citar o nome de Cuarón entre esses gênios da sétima arte já diz muito sobre o que achei desse filme. Resumindo em ideias gerais, "Gravidade" arrebata, envolve, emociona, assusta, diverte, faz rir, faz chorar (sempre tem alguém que não consegue resistir), arrepia e nos leva a levitar nas poltronas. Mais que tudo isso, "Gravidade" nos faz lembrar do por quê vamos ao cinema. Por isso mesmo, fica a dica: não deixe de ir.




terça-feira, 8 de outubro de 2013

Juventude Transviada – “De Menor”, um dos Grandes Destaques do Festival do Rio 2013.


Caru Alves de Souza é uma jovem cineasta de São Paulo. Como produtora da Tangerina Entretenimento, ela escreveu o roteiro de todos seus projetos. Fez os documentários “Mascarianas” (2008) e “Vestígios” (2011) para a TV Cultura antes de dirigir os curtas-metragens “Assunto de Família” (2011) e “O Mundo de Ulim e Oilut” (2012). Após essas experiências bem-sucedidas, era a hora de se aventurar no primeiro longa-metragem. O resultado estreou como um dos destaques da Première Brasil no Festival do Rio 2013.  E verdade seja dita: “De Menor” é uma das melhores produções nacionais dessa edição. Basta uma análise atenciosa para concordar que, em uma doce ironia com o título, trata-se de um filme de gente grande.

Também escrito por Caru, “De Menor” acompanha a personagem Helena, uma defensora pública de crianças e adolescentes no Fórum de Santos. Em paralelo com os problemas e inseguranças de sua profissão, ela cuida do meio-irmão Caio, com quem mora e tem uma relação de confiança – até o jovem começar a adotar comportamentos suspeitos. Diante dessa aparente simplicidade da trama, o que tornaria esse filme superior ou notável entre os outros lançamentos? Explico: é difícil ver um filme com tanta harmonia narrativa entre Direção, Fotografia e Edição. Ainda mais se pensarmos que se trata de um trabalho de estreia. A Direção sabe exatamente como quer abordar as ações, a Fotografia tem plena noção do que está enquadrando e revelando e a Edição tem total controle do ritmo adotado. E aqui entram as merecidas palmas para a câmera fluente do diretor de fotografia Jacob Solitrenick e para a sensibilidade do editor Willem Dias. Essa afinidade atrás das câmeras reflete na tela, tornando “De Menor” um filme incrivelmente agradável de assistir.



Já nas primeiras sequências, o filme demonstra estar seguro em toda a sua proposta. Embora isso seja esperado em qualquer produção que chega às telas de exibição, não é raro nos depararmos com filmes que se perdem em vários caminhos precipitados e soluções visuais equivocadas, deixando fugir o foco e a força de sua proposta central. Nesse sentido, “De Menor” funciona como um sopro de inspiração e originalidade na recente safra do cinema nacional.

A trama, propositalmente ou não, remete à obra do italiano Bernardo Bertolucci no momento em que centraliza grande parte das ações na complexa relação de dois personagens reunidos por uma situação altamente dramática. Assim como em “Io e Te”, mais recente filme do diretor, os conflitos e afinidades entre esses dois indivíduos – no caso, irmãos – são observados de forma íntima e intensa. Comparar a obra em questão com o cinema de Bertolucci é um dos elogios mais sinceros que posso fazer ao filme, e deve ser assim interpretado – como uma comparação elogiosa. Além disso, a escolha inspirada da trilha sonora eclética e pop que emula toda agressividade da adolescência faz relevante diferença no andamento do filme.


O filme conta com a participação de luxo dos grandes atores Rui Ricardo Dias – mais lembrado como intérprete do ex-presidente brasileiro na cinebiografia “Lula, o Filho do Brasil”(2010) – e de Caco Ciocler, mais uma vez exemplar em cena. Mesmo em personagens coadjuvantes, os atores conseguem alcançar momentos de brilho, seja esse brilho mais intenso ou mais discreto, de acordo com o que o momento pede. Mas, como já foi dito antes, a trama é focada em dois personagens: Helena e Caio. E para viver essa intensa e intimista relação, seria necessário encontrar dois atores jovens e incrivelmente talentosos. Missão dada, missão cumprida. “De Menor” tem na química entre Rita Batata e Giovanni Gallo seu ponto alto. São eles na foto comigo lá embaixo, após a exibição de estreia do filme. Juntos, os dois funcionam em plena sintonia e até se completam dramaticamente. O exemplo máximo dessa química é a cena na praia, logo no início, de uma leveza gritante e soluções visuais inspiradíssimas. Um sorriso involuntário toma qualquer rosto de assalto. O incrível trabalho e entrega da atriz Rita Batata merece uma atenção especial. Presente em praticamente todas as cenas do filme, é ela que carrega toda a carga dramática nos momentos-chave. O filme acaba, mas a força do seu olhar continua.

Vale também considerar a eficiente abordagem do universo escolhido: o ambiente de jovens infratores que veem seu futuro ser definido por “homens da lei” em tribunais de Justiça. Em diversos momentos, a diretora coloca diante da câmera jovens que, amadores ou não, passam genuinamente a mistura de ousadia e inocência tão marcante dessa juventude transviada. Mesmo com poucas falas, suas posturas e olhares entregam mais do que qualquer diálogo do roteiro poderia tentar reproduzir. A força dessas imagens e abordagens atravessa o filme. No final da projeção, nem nos damos conta de que se passaram apenas 77 minutos. Mas, nesse caso, a reduzida duração não é prejudicial. O filme funciona bem naquele tempo e ritmo, e alongá-lo poderia torná-lo redundante – afinal, a personagem completa sua jornada, da maneira que deveria ser. “De Menor” fica na cabeça como um trabalho eficiente, exemplar e inspirador, tanto tecnicamente quanto narrativamente. Em toda sua simplicidade, consegue alcançar e despertar muito mais do que muitas pretensiosas produções nacionais por aí. Mais do que isso, “De Menor” é a prova de que os nomes Caru Alves de Souza e Rita Batata mereciam ser lidos e ouvidos novamente em um futuro próximo. O Cinema Brasileiro de qualidade agradece. 


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

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Queridos leitores e amigos que acompanham e gostam dos artigos aqui publicados, não deixem de visitar - e, se agradar, curtir - a página do "Kaio No Cinema" no Facebook!

Com publicações diárias e diversos álbuns temáticos, a página possui uma abordagem mais dinâmica e eclética do cinema - tanto o que está sendo produzido nesse exato momento, como os grande clássicos atemporais. Ou seja: a boa e velha proposta do "Kaio No Cinema" agora no seu Facebook!

O endereço é bem simples: facebook.com/kaionocinema. E a página já está com quase 1000 curtições!
Se você ainda não conhece, não deixe de conferir!


sábado, 7 de setembro de 2013

A Insustentável Leveza do Ser - "Frances Ha", uma das Maiores Surpresas do Ano


Existem filmes discretos por natureza, que simplesmente não chamam muita atenção do grande público e dependem da boa vontade dos cinéfilos que se propõe a descobri-lo. Isso se intensifica ainda mais quando ele é em preto-e-branco e com toda aura de cinema alternativo independente. É o caso de "Frances Ha", feito em 2012 e apenas agora lançado no Brasil. Mas acredite: o filme é uma grata surpresa - uma das melhores do ano, inclusive.

O título aparentemente não revela muito do gênero ou da trama. Afinal, do que se trata "Frances Ha"? O filme segue uma jovem moradora de Nova York (na verdade ela não tem um apartamento fixo) que planeja entrar para uma companhia de dança (embora não seja realmente uma dançarina) e resolve se jogar de cabeça em seus sonhos (sejam eles promissores ou não). Ah sim: o nome dela é Frances. E é isso. Com uma história tão simples, o que chamaria tanta atenção nesse filme? A resposta está na pergunta: sua simplicidade, mesmo que apenas aparente, é um dos grandes trunfos aqui. Mas seu ponto alto tem nome e sobrenome - chegaremos a ele no próximo parágrafo.


O diretor Noah Baumbach já era queridinho no cinema independente americano por obras como "A Lula e a Baleia" (2005) e "Margot e o Casamento" (2007). Depois de flertar com um público maior - sem muito sucesso - com "O Solteirão"(2010), Baumbach encontrou no set a parceira perfeita para seu novo trabalho. No caso, uma jovem americana de 28 anos com uma visão bem clara de seu mundo: Greta Gerwig, o ponto de maior brilho do filme. Depois de viver uma doce faz-tudo em "O Solteirão", Gerwig resolveu apostar em um roteiro que tinha escrito e o apresentou ao diretor. Ele não apenas se apaixonou pelo projeto, como só aceitou fazê-lo se tivesse Greta como a protagonista. E o resultado é uma obra leve, descontraída, melancólica, estilosa e irresistível. Em outras palavras, é Cinema da melhor qualidade.

Falando em Greta Gerwig, a moça merece um parágrafo só pra ela. Bonita e talentosa, a atriz poderia encarnar a protagonista como mais uma jovem em busca do amor e do sucesso na carreira, destinada a um final feliz. Não é o que acontece. Sua Frances é insegura, ingênua, brincalhona e espontânea. Sem grandes pretensões, age por puro instinto - o que muitas vezes gera decisões e ações irresponsáveis. No meio de tantas "mocinhas" escritas para encabeçar comédias românticas clichês e manjadas, a Frances de Gerwing se destaca por ser uma pessoa de verdade. Não há concessões dramáticas ou cinematográficas: o que vemos ali é alguém real. Não à toa, a loira atriz de 29 anos já foi coroada como a nova musa do cinema indie. Muito justo, na verdade. Podem ficar de olho nela, que essa vai longe. 


A abordagem escolhida por Baumbach é um perfeito equilíbrio das características dos diretores Jim Jarmush e Woody Allen. Enquanto o universo parece saído da cabeça de Jarmush, os personagens e diálogos remetem à Allen em sua melhor fase. Não há rostos conhecidos em cena - e isso garante que os personagens de "Frances Ha" se portem como pessoas de verdade. Não há finais felizes, momentos clichês, destinos cruzados ou "coisas que só acontecem em filmes". A câmera discreta apenas capta a vida como ela é, fazendo uso de um ritmo e trilha sonora irresistíveis. Tudo flui em plena sintonia e o filme se torna algo extremamente gostoso de se ver. 

No fim das contas, "Frances Ha" funciona como um perfeito espelho da moderna geração de pré-adultos que se apega a prazeres mais imediatos para tentar esquecer as incertezas quanto ao futuro. Para quem vê de longe, seus 86 minutos podem parecer muito pouco, mas suas mudanças de andamento foram meticulosamente planejadas - não dá pra imaginar o filme mais longo ou mais curto. É preciso ter coração de pedra ou muito preconceito com cinema alternativo para resistir ao seu charme. Nascido para ser cult, "Frances Ha" é uma força da natureza que atrai qualquer espectador para seu universo monocromático. Entre tantos filmes que tentam ditar um novo modo de vida ou alienar as platéias com tramas bobinhas e efeitos especiais, está aqui um que só quer ilustrar, de forma simpática e simples, a insustentável leveza do ser. E consegue, pode acreditar. 



domingo, 25 de agosto de 2013

Sob Nova Direção - Os Melhores Remakes do Cinema (até agora!)



Notícias de Hollywood: foi confirmada recentemente a refilmagem de "Poltergeist" (1982), sinistro clássico do terror que marcou a década de 80. Esse é apenas mais um dos incessantes remakes que em breve invadirão os cinemas - lembrando que ainda virão aí as novas versões de "Carrie, A Estranha", "Oldboy" e "RoboCop", esse último dirigido pelo brasileiro José Padilha. Refilmar produções já lançadas anteriormente nos cinemas é uma prática bem normal e antiga na sétima arte. Tal atividade já era realizada no cinema mudo, para se ter uma noção. A diferença é que, antigamente, o objetivo era dar uma nova chance a obras esnobadas que tinham feito sucesso apenas moderado na versão original - o que dava certo quase sempre.

Hoje em dia, a história é outra: os produtores focam em clássicos consagrados que possuem uma grande quantidade de fãs. Clássicos que NÃO PRECISAVAM ser refilmados, como é o caso de todos citados no início do texto. O resultado, na grande maioria das vezes, são versões muito inferiores ao filme original. Exemplos são bombas como "Psicose"(1998), "Planeta dos Macacos" (2001), "Fúria de Titãs" (2010) e "O Vingador do Futuro" (2012), só para citar alguns. Só que precisamos ser justos: existem remakes extremamente competentes e bem feitos, que não só se igualam ao prestígio da versão original como por vezes conseguem até superá-la. "Kaio No Cinema" resolveu ousar e fazer uma lista dessas "melhores novas versões", que conseguiram não só homenagear os clássicos que as originaram mas também conquistaram inúmeros fãs com suas releituras.

Só para esclarecer: "reboots" ou novas abordagens para franquias consagradas não estão contando aqui. Ou seja, nada de Batman, Homem-Aranha ou 007 nessa lista. E, obviamente, não é uma lista definitiva - afinal de contas, nenhuma é.

Vamos aos mais bem-sucedidos remakes do cinema:


10 - "Onze Homens e Um Segredo", de Steven Soderbergh, 2001.


Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford e Joey Bishop eram os "reis do cool" absolutos na década de 50.  Juntos, formavam um grupo de bon-vivants que faziam shows e apresentações sob o nome de "Rat Pack". Extremamente populares, os artistas acabaram fazendo uma série de filmes, dos quais o mais famoso era exatamente "Onze Homens e Um Segredo"(1960).
O versátil diretor Steven Soderbergh assumiu o desafio de atualizar todo o charme e diversão do original. Para isso, convocou um elenco estelar de dar inveja. Encabeçados por George Clooney - um dos poucos com moral para herdar o papel que pertenceu a Sinatra -, o time contava com Brad Pitt, Matt Damon, Andy Garcia, Don Cheadle, Bernie Mac e Julia Roberts, entre outros. O sucesso conseguiu ser maior do que o esperado. Embora o desfecho da versão de 1960 seja muito mais brilhante e genial - inclusive inspirou Tarantino na abertura de "Cães de Aluguel" (1992) -, a refilmagem funcionou muito bem e gerou duas sequências igualmente estilosas e divertidas.



 9 - "Perfume de Mulher", de Martin Brest, 1992.

  
Mais conhecido como o filme que - finalmente - deu o Oscar de Melhor Ator para Al Pacino, essa é a versão americana do italiano "Profumo di Donna", dirigido pelo cineasta Dino Risi em 1974. A trama que acompanha o jovem recruta obrigado a acompanhar um militar cego e irascível ganha um final diferente e muito mais convencional pelas mãos de Brest. Por outro lado, adicionou a antológica cena de dança ao som do tango "Por Una Cabeza". A atuação de Pacino emociona e arrepia, mas foi grande o desafio de interpretar um papel antes defendido por Vittorio Gassman - um dos maiores atores que o cinema mundial já conheceu, premiado em Cannes em 1975 por esse papel.



8 - "Cabo do Medo", de Martin Scorsese, 1991.


Cinéfilo na definição mais completa da palavra, Martin Scorsese era um grande fã do tenso thriller "Cape Fear", de 1962. A graça do filme era o embate entre dois astros consagrados do cinema: Robert Mitchum encarnando o Mal como um ex-presidiário em busca de vingança e Gregory Peck como o justo advogado que permitiu sua prisão no passado. Quando o diretor decidiu comandar a refilmagem, os dois titãs ainda estavam vivos - e ele fez questão de incluí-los em pequenas participações especiais. A versão de Scorsese é repleta de referências ao original, inclusive mantendo o sinistro tema composto pelo gênio Bernard Herrmann. O ritmo, por outro lado, é bem diferente: e dá-lhe cortes rápidos, muita violência visual e ângulos inusitados. Não é o melhor trabalho de Scorsese, mas ficou merecidamente marcado pela inspirada atuação de Robert De Niro (na oitava parceria com o diretor), tatuado e musculoso em uma versão muito mais agressiva do perverso Max Cady.


7 - "Nasce Uma Estrela", de George Cukor, 1954.


 Judy Garland está imortalizada no cinema como a Dorothy de "O Mágico de Oz"(1939), mas é
aqui que teve seu melhor papel. A história da sonhadora artista que deseja o estrelato e o alcança com a ajuda de um astro decadente e alcoólatra já tinha sido levada aos cinemas em 1937, estrelada por Janet Gaynor e Fredric March. Embora vencedora dos Oscar de Roteiro e Fotografia, a versão original acabou esquecida no tempo. George Cukor foi escolhido para refazer a trama, que acabou se tornando um dos musicais mais queridos de Hollywood. James Manson faz seu melhor papel dramático, mas o filme é todo de Garland. A atriz, emocionalmente instável, insegura e viciada em medicamentos e calmantes, mistura vida e obra em cena. Sua entrega nos números musicais arrepia, e o resultado é uma das maiores atuações da Era de Ouro do cinema. O Oscar de Melhor Atriz parecia uma certeza, mas quem levou a estatueta foi Grace Kelly - derrota que Garland nunca aceitou, até sua morte precoce em 1969. Uma outra refilmagem - inferior - foi feita em 1976, protagonizada por Barbra Streisand e com abordagem rock'n'roll. Mas a de 1954 prevalece absoluta como a melhor.



 6 - "King Kong", de Peter Jackson, 2005.


Apaixonado pela obra-prima da fantasia feita em 1933, o neozelandês Peter Jackson usou todo prestígio obtido na direção da trilogia "O Senhor dos Anéis" para fazer uma luxuosa homenagem ao original. Assim, realizou um sonho de criança e ainda passou uma borracha definitiva no vergonhoso remake feito em 1976. Sua visão do gorila gigante que é descoberto em uma ilha e levado para a cidade grande como a "oitava maravilha do mundo" tem o dobro da duração do clássico e adiciona muitos elementos e camadas à simples premissa original. Usa e abusa de efeitos especiais, é verdade, mas consegue inserir emoção e paixão no animal, que originalmente era apenas um macaco violento e destruidor. Aqui, Kong tem sentimentos e comove - mérito de Andy Serkis, que deu os movimentos ao personagem digital. O "King Kong" de Peter Jackson é uma homenagem muito bem feita ao cinema e à sua capacidade de nos fascinar. 


5 - "O Homem Que Sabia Demais", de Alfred Hitchcock, 1956.


Diretor com moral faz remake da própria obra! Foi o caso do peculiar mestre Alfred Hitchcock, que resolveu refilmar um de seus obscuros filmes britânicos com elenco e orçamento americano. Feito em 1934, o original também contava a história de um pacato casal que está de férias quando descobre os planos de um assassinato e têm sua filha sequestrada para mantê-los em silêncio. Na adaptação de 1956, Suíça foi substituída por Marrocos e a filha virou filho Embora não tenha a presença sinistra de Peter Lorre, a versão americana conta com James Stewart e Doris Day no auge da fama. E qualquer argumento contra o filme vai abaixo com a tensa e perfeita sequência final na sala de concerto Royal Albert Hall. Com doze minutos de duração e sem uma única palavra de diálogo, a cena é uma aula de suspense -  referência no gênero até hoje. Um dos gênios do cinema em plena forma.


4 - "Drácula de Bram Stoker", de Francis Ford Coppola, 1992.


Esqueça a charmosa e icônica encarnação de Bela Lugosi no clássico "Drácula" (1931). Ela não combina nem um pouco com a gótica e excêntrica versão de Coppola, mais fiel à imortal obra de Bram Stoker. Com elenco estelar e direção de arte delirante, o filme aborda os símbolos ligados à mitologia do vampiro de forma extremamente hipnótica. É quase impossível não ceder ao seu visual e estilo. O conde é encarnado por um brilhante Gary Oldman, assustador e sedutor na medida perfeita - verdadeira encarnação do Mal que figura entre seus melhores trabalhos. Uma das obras mais subestimadas do diretor, esse filme injeta o horror e ousadia que outras abordagens do Drácula não conseguiram alcançar e as faz parecer ingênuas. Enquanto os trejeitos de Lugosi hoje podem parecer cômicos e exagerados, a grotesta encarnação de Oldman ilustra o mais próximo que o cinema já chegou de registrar um genuíno pesadelo filmado.


3 - "Ben-Hur", de William Wyler, 1959.



Pouca gente sabe que o épico hollywoodiano famoso por ter levado 11 Oscars - o primeiro filme a conseguir essa proeza - é na verdade um remake de uma superprodução de 1925. O filme mudo "Ben-Hur: A Tale of the Christ" foi dirigido por Fred Niblo e era extremamente exuberante e bem feito para o período em que foi feito. Muito graças à luxuosa versão feita no final da década de 50, ficou esquecido e perdido por muito tempo, sendo redescoberto apenas no final dos anos 80. Mas realmente a versão protagonizada pelo imponente Charlton Heston é superior em muitos sentidos. Conseguiu ser superior até mesmo na duração: enquanto o original já tinha longos 143 minutos, a versão comandada por William Wyler dura 212 (!!!) minutos - quase quatro horas de muito drama histórico. É verdade que o ritmo fica um pouco arrastado em certos momentos, mas a espera vale a pena: a cena da corrida de bigas, que dura cerca de nove minutos, continua sendo um dos momentos mais inesquecíveis e arrepiantes da história do cinema mundial. 



2 - "Scarface", de Brian De Palma, 1983.


Em comum com a versão original de 1932, só mesmo o título e o nome dos personagens. Enquanto o clássico dirigido por Howard Hawks era uma espécie de cinebiografia disfarçada do mafioso Al Capone - que realmente tinha esse apelido devido a uma cicatriz no rosto - e se passava na Chicago do auge da Máfia nos EUA, o remake de De Palma trazia a ação para a dançante Miami da década de 80. No lugar do tráfico de bebidas na era da Lei Seca, entraram pesadas drogas. O próprio protagonista passou a ser um ex-preso político cubano. Se a primeira versão já chocava pela violência, a segunda extrapolou seus limites visuais - pelo menos para a época. A palavra "fuck", por exemplo, foi usada 226 vezes ao longo do filme, que dura o dobro que o original. Paul Muni era um grande ator e fez um ótimo trabalho como o primeiro Tony, mas não há nem o que se discutir: Al Pacino fez a encarnação definitiva do personagem, em seu papel mais icônico e cultuado. Explosivo, exagerado, agressivo e caricato, Pacino ilumina todas as cenas e permite que o filme tenha uma identidade própria, funcionando muito bem mesmo para quem não conhece a versão da década de 30.




1 - "Os Infiltrados", de Martin Scorsese, 2006.
 


Imagino que por essa ninguém esperava! O grande sucesso que ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2007 e finalmente deu a estatueta de Melhor Diretor para Martin Scorsese é na verdade a refilmagem de um thriller policial dirigido em Hong Kong por Andrew Lau e Alan Mak em 2002. A trama de "Infernal Affairs" - como foi chamado mundo afora - chamou a atenção de Scorsese, que resolveu adaptá-la ao Ocidente. O diretor americano adicionou nuances aos personagens e chamou um elenco estelar para a empreitada: Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Mark Wahlberg, Martin Sheen, Alec Baldwin e a presença de luxo de Jack Nicholson. O resultado foi um dos melhores filmes da década. Ágil, violento, pulsante e ousado, "Os Infiltrados" foi aclamado por público e crítica, adicionando mais uma obra-prima ao currículo do cineasta. Entre tantos remakes esperados e fracassados, esse pegou todos de surpresa e foi extremamente bem-sucedido. Uma aula de cinemão popular e comercial da melhor qualidade. 





Após conferir essa lista, é bom deixar bem claro: obviamente, os filmes aqui listados não são necessariamente os "melhores remakes de todos os tempos". O objetivo é listar os que, na opinião desse cinéfilo que vos escreve, foram os mais bem-sucedidos na tarefa de modernizar ou adaptar clássicos antigos às novas gerações e visões - pelo menos, até agora. Se você acha que faltou algum filme à lista, não deixe de comentar e deixar sua opinião!

Diante de tantos lançamentos que estão chegando aí, ficamos juntos na torcida por novos remakes de qualidade!!

sábado, 13 de julho de 2013

Uma Nova Esperança - Superman Tenta Alçar Voo nos Cinemas - Mais Uma Vez - com "Homem de Aço"


Então vamos lá. Eu gosto de Zack Snyder, mesmo. Diretor de grande apuro estético, ele fez uma apresentação digna com "Madrugada dos Mortos"(2004), proporcionou uma eficiente viagem visual em "300"(2006), mandou muito bem com a ousada adaptação de "Watchmen" (2009) e até mesmo o confuso e irregular "Sucker Punch"(2011) tinha lá seus méritos. À princípio, Snyder parecia ser realmente o homem certo para assumir o reboot do Superman nos cinemas, após a rejeição geral que "Superman - O Retorno" recebeu em 2006. Quando o nome de Christopher Nolan apareceu na produção então, parecia que não havia possibilidade de dar errado. E aí... Deu.

Seguindo a linha da trilogia de Nolan sobre Batman, a ideia aqui era renovar a imagem do famoso personagem da DC Comics criado em 1938 pelos amigos Joe Shuster e Jerry Siegel. Para isso, esqueceriam completamente qualquer filme anterior protagonizado pelo personagem - principalmente o clássico eterno dirigo por Richard Donner em 1978, aquele estrelado pelo icônico Christopher Reeve. Nada seria considerado ou reaproveitado, nem mesmo a perfeita e imortal trilha sonora composta por John Williams. A proposta era arriscada e foi seguida à risca. Somado a isso, haveria ainda a tentativa de conferir uma abordagem mais realista ao herói, como foi feito com o Caveleiro das Trevas. Outro grande risco... Que não foi tão bem executado.


Diferente do nostálgio filme-tributo feito por Bryan Singer em 2006, "Man Of Steel" não tem nenhum laço ou ligação com produções anteriores. Não se dá nem mesmo ao trabalho de fazer pequenas referências/citações aos quadrinhos ou filmes do passao, algo que agradaria os fãs mais fiéis. Como prometido, retomam toda história do zero e lhe dão uma nova abordagem. Mas compará-lo com qualquer filme do Batman orquestrado por Christopher Nolan é o mais puro exagero. Todo realismo, contextualização e vigor presente em cada uma das três partes está bem distante do que vemos aqui. Ao tentar modificar completamente o perfil do Superman nos cinemas, acabaram estragando seu charme, simplificando demais o personagem e seu universo.

Se a primeira parte do filme - a "origem do herói" - parece tirada dessas genéricas ficções científicas produzidas na última década, as sequências que teoricamente mergulhariam na mente do personagem acabam sendo muito rasas. Como era de se imaginar, Snyder capta belíssimas imagens com a sua câmera, verdade seja dita. Por certos momentos, até flerta com um ritmo e narração semelhantes aos usados em "A Árvore da Vida". Mas essas cenas, belíssimas soltas ou no trailer do filme, não funcionam bem juntas. Tudo acaba levando a cenas de explosão e ação desenfreada. TUDO. SEMPRE.


A graça dos filmes originais protagonizados pelo super-homem de Krypton não era apenas os efeitos especiais da época ou a imagem forte de Reeve com o uniforme. Grande parte da magia ou química estava na construção dos personagens e da relação entre eles. E aqui eu digo que gostava muito dos filmes originais e até mesmo da visão de Bryan Singer. O núcleo do jornal Planeta Diário, no qual Kal-El se escondia sob o disfarce de Clark Kent, era uma espécie de equilíbrio extremamente importante nos filmes. A relação do desajeitado/tímido Clark com a repórter Lois Lane, o fotógrafo Jimmy Olsen e o editor Perry White injetava humor e humanidade às aventuras. Isso sem citar o carismático vilão Lex Luthor, defendido de forma brilhante e genial pelos Oscarizados Gene Hackman (nos filmes antigos) e Kevin Spacey (em 2006). Acredito que o público tinha carinho especial por esses personagens. Aqui, tudo isso é deixado de lado. O Planeta Diário até dá as caras, mas de forma burocrática e rápida. Lawrence Fishburne e Amy Adams simplesmente NÃO funcionam como Perry White e Lois Lane.

O vilão da vez, no final das contas, é o mesmo General Zod antes incorporado por um excêntrico Terence Stamp em 1978 e na continuação de 1980. Aqui é Michael Shannon quem o incorpora. Shannon é um grande ator e já provou isso em filmes como "Foi Apenas Um Sonho" (2008) e na série "Boardwalk Empire". Mas aqui ele exagera e berra demais, tentando alcançar o tom antes usado por Stamp. Consegue apenas ficar caricato. É incrível como não há NENHUMA atuação inspirada ou apaixonada em todo o filme. Adams, Fishburne, Shannon, Diane Lane e até mesmo Russel Crowe são atores que já realizaram grandes trabalhos, mas aqui fazem seus papéis de forma superficial e no piloto automático. O único que se sobressai um pouco é o envelhecido Kevin Costner que vive Jonathan Kent - e mesmo assim ele tem muito pouco tempo em cena.


Grande parte da expectativa dessa produção estava na figura de Henry Cavill, o novo Superman. Sejamos justos: Cavill faz um bom trabalho. O inglês - sim, o ator que incorpora esse ícone norte-americano é inglês... reflita - tem porte e atitude para ser herói e fica muito bem no novo uniforme modernizado. A pena é que ele não tem muitas oportunidades de mostrar isso. Os momentos dramáticos são raros e as cenas de ação, por vezes, beiram o ridículo. O super-herói, que supostamente devia salvar as pessoas em perigo nas ruas e prédios, já chega destruindo tudo. E dá-lhe explosões, destruição e mais explosões. Em certos momentos, parece até que estamos assistindo algum filme de Michael Bay. Já nas lutas com os "vilões", o filme parece o que seria uma adaptação decente de "Dragon Ball Z". Afinal, lá sim a graça seria ver cenas de lutas caóticas e explosivas - não em um filme que se propõe a ser uma abordagem realista e fiel de um personagem consagrado da cultura pop. Essas cenas de ação, inclusive, chegam a ficar cansativas ao longo dos (exagerados) 143 minutos de duração.

No final das contas, "Homen de Aço" não funciona e fica muito abaixo das expectativas. Quem procura filmes de ação descompromissados podem até se deixar levar pelos incríveis efeitos especiais e jeitão de blockbuster, mas qualquer fã do personagem vai sair dos cinemas com a certeza de que Zack Snyder podia ter realizado um trabalho muito mais grandioso e impactante. E as ferramentas para isso ele tinha. Mas é preciso lembrar que se soltamos uma criança em um parque de diversões muito grande, ela pode se perder, se machucar e até fazer uma besteira. Diante de tudo isso, só digo mais uma coisa: saudades do Lex Luthor.


terça-feira, 18 de junho de 2013

"E La Nave Va..." - A Força de "O Encouraçado Potemkin" nos Tempos Modernos


A ironia não podia ser maior, nem o clima mais propício. Em um raro - e muito bem-vindo - momento em que  o povo brasileiro resolve unir forças para fazer protestos e movimentos contra o governo, o Theatro Municipal anunciou a exibição especial de "O Encouraçado Potemkin", obra-prima de Serguei Eisenstein. Lançado em 1925 para comemorar os 20 anos do início da Revolução Russa, o filme é um marco da história do cinema e da abordagem política nas telas.

O clima ainda era calmo no Centro do Rio de Janeiro na noite em que o filme foi exibido - no caso, o dia 15 de junho de 2013. Apenas dois dias depois, uma manifestação popular faria história no mesmo cenário, onde mais de 100 mil pessoas - na maioria jovens - se reuniram e ocuparam toda Avenida Rio Branco em um dos maiores protestos pacíficos da história do país - sem dúvida, um dos mais bonitos e inspiradores. Talvez não por acaso, uma grande presença de jovens e estudantes podia ser notada na sala do Municipal na noite daquele sábado.


Deixando um pouco as questões brasileiras, vamos ao filme. Eisenstein, um dos cineastas mais cultuados do século XX, já tinha mostrado sua preferência em juntar o discurso político com o cinematográfico em "A Greve" (1924). Mais do que uma trama definida com personagens individualizados, os filmes do cineasta russo apresentavam uma proposta até então inovadora: através de símbolos e imagens, buscava criar ideias na mente de seu público. Era um cinema engajado, que visava a participação do povo em decifrá-lo. Pela apresentação de uma tese e de uma antítese, deveria ser criada uma síntese na cabeça do espectador. E assim, Eisenstein revolucionou a edição no cinema, através da chamada "Montagem Dialética" - que se tornaria a principal marca do Construtivismo Soviético, que tem nele seu maior representante.

Em 1925, então com 27 anos, Eisenstein recebeu uma encomenda especial: o convite para fazer um filme em comemoração à revolução iniciada em 1905. Era a partida para a realização de sua obra mais estudada. Pegando como base o caso real de um motim ocorrido a bordo do encouraçado Potemkin da Esquadra do Mar Negro, o diretor começou a orquestrar toda sua adaptação em torno daquele fato. O navio representaria a nação, os marinheiros insatisfeitos o seu povo, os capitães cruéis o governo autoritário. Até mesmo a religião seria representada de forma simbólica  - e um tanto irônica. Em um momento em que Hollywood se firmava com suas super produções apoiadas no carisma de astros famosos, em que a Alemanha focava em seu pessimista e alucinante Expressionismo e a França experimentava novas abordagens através de Vanguardas, Eisenstein orquestrava um verdadeiro manifesto na União Soviética. Quando um dos marinheiros, cansado das humilhações e condições de vida, resolve quebrar o prato que devia limpar (veja aqui a cena), os olhos do mundo inteiro se voltaram para aquelas imagens. Tudo bem que a edição fragmentada do diretor reforça o impacto da cena, mas o mundo da primeira metade daquele século sabia bem qual era aquele sentimento, enfim representado no cinema.


Além da edição revolucionária e do teor político, "O Encouraçado Potemkin" ainda possui uma das sequências mais chocantes e estudadas de toda história da sétima arte: o massacre da escadaria de Odessa. Baseada no episódio real conhecido como "Domingo Sangrento" - em que o exército do czar abriu fogo contra a multidão de homens, mulheres, crianças e idosos que protestavam pacificamente nas ruas da Rússia de 1905 - a cena ainda arrepia. Não são imagens bonitas ou leves. Em seus frenéticos cortes, podemos ver sangue, desespero, corpos de idosos, crianças e, a figura mais emblemática, o carrinho de bebê que desce as escadarias em direção à morte. Um momento tão icônico da história do cinema que está presente em qualquer compilação e continua a ser revisitado e homenageado por outros cineastas - como Brian De Palma, que fez a mais famosa "homenagem" em seu filme "Os Intocáveis"(1987). Cortes rápidos e travellings dão o ritmo acelerado que ilustra toda urgência da situação. O modo como a sequência foi registrada e editada continua surpreender e deixar os espectadores com um incômodo silêncio, um misto de horror e arrepio - sejam eles cineastas, historiadores ou simplesmente humanos. Mais do que a história do cinema, é a história do século XX diante de nossos olhos. Inclusive, se o cinema foi a maior forma de arte do século XX, foi muito graças ao senhor Serguei Eisenstein.

Ver as fortes imagens em uma tela grande no Municipal só intensifica o espetáculo. A presença da orquestra em cima do palco - ela normalmente fica no fosso, deixando o palco livre para o grande telão - acabou dividindo as atenções e tirando um pouco o destaque do filme em si, mas nada que diminua a força da iniciativa. Assistir "O Encouraçado Potemkin" devia ser obrigatório no mundo em que vivemos. Goste ou não da abordagem do diretor ou das ideologias por ele defendidas, é um registro de um dos momentos mais significativos da História Mundial Moderna - mesmo falando de quase um século atrás. Um dos poucos filmes a ser considerado Patrimônio Cultural da Humanidade, "O Encouraçado Potemkin" continua influente e inspirador em vários aspectos, sejam eles cinematográficos, sociais ou até mesmo políticos. Afinal, como não ligar o despertar dos leões de pedra da cidade durante os ataques (veja aqui a cena) com o que tem acontecido com a população brasileira nos últimos dias ?? Ao que tudo indica, o navio continua imponente no mar da História.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Muito Além das Nuvens - O Canto do Cisne de Michelangelo Antonioni


O panteão dos grandes diretores italianos que marcaram a história do cinema contém nomes importantes como Federico Fellini, Vittorio De Sica e Roberto Rossellini, apenas para citar alguns. Entre eles, figura timidamente o nome de Michelangelo Antonioni (1912-2007). Esnobado por muitos e considerado "entediante" por mais gente ainda, o cineasta nascido em Ferrara deixou sua marca na sétima arte principalmente através da chamada Trilogia da Incomunicabilidade. Formada pelos filmes "A Aventura"(sua grande obra-prima, de 1960), "A Noite" (1961) e "O Eclipse" (1962), esses filmes apresentam uma abordagem inovadora e beleza visual hipnótica que rendeu ao diretor diversos prêmios e reconhecimento ao longo da carreira. Em seu currículo estão ainda obras de imenso valor artístico, como "Blow Up - Depois Daquele Beijo" (1966) e "Profissão: Repórter" (1975).

Antonioni ficou famosos por fazer uso de planos longos e intenso uso do silêncio para ilustrar a complexidade das relações humanas. Seus filmes tinham um andamento mais lento e poético, que exigia entrega e paciência e seu público - daí o motivo de tamanha rejeição por parte dele. A carreira do diretor ia bem até ele sofrer um grave acidente vascular-cerebral em 1985. Com isso, em uma irônia do destino, o cineasta famoso por explorar o silêncio entre as pessoas perdeu a capacidade de falar. Apesar de mudo e debilitado fisicamente, Antonioni não poderia deixar de lado a paixão que o mantinha vivo. Ele tentaria superar aquilo para se manter ativo no cinema.


Na elaboração de seu novo projeto, Antonioni se uniu a um precioso e essencial aliado: o diretor alemão Wim Wenders, responsável por obras-primas como "Paris, Texas" (1984) e "Asas do Desejo" (1987). Foi no aclamado cineasta alemão (ao seu lado na foto acima) que Antonioni encontrou todo apoio e segurança necessários para levar à frente a ambiciosa missão de realizar um filme naquele estado de saúde. Além de enfraquecido pela doença, o italiano já estava com 83 anos de vida. Unir forças com Wenders, então com 50 anos e grande prestígio, foi seu grande trunfo. E assim se iniciou o projeto "Além das Nuvens".

Como já foi dito, os filmes de Antonioni eram famosos pelo silêncio - muito mais interior que exterior - que ditava o ritmo das cenas e movia os personagens. Talvez por isso mesmo seja irônico (olha a ironia aí de novo) que seu último filme fosse marcado por uma constante narração em off. A voz, no caso, é a do cineasta vivido pelo ator John Malkovich - um alter-ego explícito do próprio Antonioni. Impossibilitado de falar fora das telas, ele daria voz aos seus pensamentos através do diretor de cinema que divaga sobre as origens do processo criativo. Partindo desse artista em busca de inspiração para seu novo projeto - ecos de "8 1/2" (1963), obra-prima de Federico Fellini, amigo pessoal de Antonioni -, somos levados à encontros e desencontros que geram complexos casos de amor. E aí começa o desfile de rostos famosos na década de 90: Sophie Marceau, Jean Reno, Fanny Ardant e Peter Weller (o eterno Robocop).


Mas Antonioni reservaria a maior surpresa da produção para uma pequena sequência com cerca de cinco minutos. Nela, reuniria os grandes ícones Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau (imagem acima). Para os admiradores e fãs de Antonioni, aquele encontro era muito mais especial: os três já haviam trabalhado juntos em "A Noite", de 1961. Naquele rápido encontro agradável e bem-humorado, o diretor adiantaria discussões e reflexões abordadas mais tarde pelo cineasta Abbas Kiarostami no filme "Cópia Fiel" (2010). Foi um dos último papéis de Mastroianni - o eterno galã italiano morreu repentinamente em 1996, em decorrência de um câncer.

 "Além das Nuvens" tem diversos núcleos dramáticos distintos, todos ligados pelo andarilho personagem de Malkovich. Embora tenha características claras de um filme de Antonioni, é impossível não perceber a mão de Wenders no andamento de algumas sequências e, principalmente, no uso da música. Ainda assim, o cuidado estético do diretor italiano está presente nos elaborados movimentos de câmera. Poucos cineastas bolavam um enquadramento tão bonito quanto os de Antonioni - e isso está bem claro nesse filme.  Mesmo não sendo um dos melhores filmes do diretor - algo difícil diante de um currículo com tantos filmaços -, "Além das Nuvens" é uma poética visão da Arte como uma força inspiradora que provém do amor e das relações entre as pessoas. Um delicado e digno canto dos cisnes para um dos maiores gênios e poetas da imagem.


 "Além das Nuvens" foi lançado em 1995. Ao invés de exaltar a colaboração entre Antonioni e Wenders, a campanha de divulgação da época preferiu focar na trilha sonora composta pela banda U2. Com relativo sucesso de público e crítica, o filme conseguiu retornar a atenção para a vida e obra de Michelangelo Antonioni. Seria seu último longa-metragem. Depois dele, mais uma vez lutando contra a idade e suas condições adversas, o diretor ainda faria, aos 92 anos, um dos segmentos do projeto "Eros"(2004) - que contava também com dois curta-metragens dos diretores Steven Soderbergh e Kar Wai Wong. Antonioni estava prestes a completar 95 anos quando morreu no dia 30 de julho de 2007 - uma última ironia do destino, que levou no mesmo dia o cineasta Ingmar Bergman, outro gigante do cinema que era um desafeto público do italiano.

Como de costume, a Academia das Artes e Ciências Cinematográficas - mais conhecida como Oscar - demoraria tempo demais a reconhecer o talento e contribuição da obra de Michelangelo Antonioni para o Cinema. A entrega do Oscar Honorário pela carreira aconteceu em 1994, pouco antes do lançamento de "Além das Nuvens". O prêmio foi introduzido por Jack Nicholson, amigo pessoal do homem que o dirigiu em "Profissão: Repórter". Acompanhado de sua esposa e porta-voz Enrica Antonioni, Michelangelo superou dificuldades para subir no palco e irrompeu o duro silêncio para agradecer seu tardio reconhecimento. Porque Cinema é emoção - e disso, definitivamente, o senhor Antonioni entendia. 

 
Veja a entrega do Oscar Honorário para Michelangelo Antonioni.